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“O Dublê”: Brincando enquanto fala sério, filme enaltece os profissionais duros na queda que fazem o cinema acontecer | 2024

Eu não tenho protetor de boca

Uma cena de ação, por mais pífia que possa parecer, envolve um trabalho elaborado de uma equipe que dá a cara a tapa sem necessariamente mostrá-la. Viralizou, há alguns meses, uma cena não muito espalhafatosa de “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” (2004), onde alguém deu pause em um frame bem específico do filme onde é possível ver que Severo Snape, na casa dos gritos, não era o talentosíssimo Alan Rickman, mas sim seu dublê. Os dublês estão tendo finalmente seu merecido reconhecimento dentro da indústria, tanto é que já foi anunciado que será criada uma categoria específica para eles no Oscar. E agora, como um tributo a toda a categoria, o diretor David Leitch ergue um filme monumental para reafirmar os perrengues que esses profissionais passam para entregar o entretenimento que tanto amamos assistir.

David Leitch dirigir um filme sobre dublês é o equivalente a Hans Zimmer dirigir um filme sobre compositores de trilha sonora. Leitch é uma lenda na indústria e ganhou uma notoriedade no posto da direção após seu trabalho colaborativo com o também ex-dublê Chad Stahelski, no comando do primeiro filme da franquia “John Wick”, em 2014. Os dois, ao lado de Sam Hargrave (diretor de “Resgate”), compõem uma safra inovadora de diretores que sabem como coordenar as cenas de ação de seus filmes justamente pela experiência que adquiriram como dublês ou coordenadores de cena. E “O Dublê”, que traz Ryan Gosling e Emily Blunt como protagonistas de uma história de absurdos sobre a própria indústria, é um divertidíssimo filme-fetiche para os profissionais que tanto fazem e pouco são valorizados.

A premissa é simples: um dublê que se retirou após um acidente é recrutado às pressas para o filme dirigido por um antigo romance mal resolvido, e ao chegar ele descobre que a estrela a quem ele deve cobrir simplesmente desapareceu. Para que o filme de estreia da amada não seja um fracasso, ele se dispõe a seguir um trilha de migalhas até encontrar a verdade por trás do desaparecimento do astro vivido por Aaron Taylor-Johnson. Ah! O dublê, obviamente, se enfia em situações absurdas e inusitadas que rendem uma ótima mescla de ação e comédia, mas é no abraçar ao cafona que o filme mais acerta. Não existe vergonha aqui em ser piegas, em usar Taylor Swift, ou em fazer cenas dessas vistas um milhão de vezes onde declarações de amor são feitas na hora mais inoportuna; na verdade, tudo isso só enfatiza que os dublês podem viver seus romances de cinema com toda a breguice que vem incluída.

O roteiro usa passagens de metalinguagem como uma ferramenta para debater o que pode acontecer dentro do próprio filme, e o faz com um flerte gracioso entre aquilo que é confidenciado pelos personagens de Gosling e Blunt com o público. O artifício se faz ainda mais engenhoso quando é feito por meio de uma ficção-científica espacial, o dito filme que vemos ser rodado na história em questão – e que em muito se parece com o que Zack Snyder apresentou em “Rebel Moon”, mas abraçando a galhofa enquanto finge se levar a sério.

No fim da sessão, o saldo se mostra tão positivo quanto o polegar constantemente erguido do dublê que dá nome ao filme, e as tantas referências que o filme faz a outros filmes através dos diálogos hilários entre Gosling e Winston Duke (Daniel Day-Lewis!) são a cereja do bolo para os bons e velhos cinéfilos de plantão. Com boas tiradas e ótimas sequências de ação, o filme brinca com a própria existência para ser, contraintuitivamente, sério. Valorizemos os dublês, não há cinema sem eles – exceto se for um filme estrelado só pelo Tom Cruise, aí o assunto muda.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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