⚠️ VEJA OUTRAS CRITICAS DO PAPO EM NOSSO ACERVO (SITE ANTIGO).

ACESSAR SITE ANTIGO
PitacO do PapO

“Verissimo”: Centrado no poder revelador da rotina, doc acompanha os dias que antecedem os 80 anos do célebre escritor gaúcho | 2024

“’Gunga Din’ me fez herói sem arriscar a pele, ‘A Doce Vida’ me deu a estética do desespero que dispensava o desespero. Viva o cinema.”

A frase que abre essa resenha foi retirada de “O Cinema e Eu”, texto publicado na coletânea “Banquete com os Deuses” publicada em 2003. Curioso notar aqui como o escritor Luís Fernando Verissimo valoriza, entre outras maravilhas, o distanciamento seguro que a sétima arte proporciona àqueles que estão na poltrona das salas como mero espectadores, salvaguardados das intempéries vividas pelos personagens representados em tela. Mais curioso ainda fica, quando observarmos que no documentário que leva seu nome, o renomado autor abre mão dessa segurança e abre as portas de sua casa em Porto Alegre para que ele mesmo se torne cinema.

Conhecido por ser um homem bastante introspectivo, Verissimo não deixa de ser um desafio e tanto para qualquer um que se proponha a filmá-lo, o que se pode perceber logo numa passagem inicial em que ele precisa dar uma entrevista para a TV. Por isso, ao invés de uma proposta mais clássica do formato, o longa de Angelo Defanti aborda seu objeto de análise pelo viés da observação. Já tendo adaptado um livro do autor para as telas (“Clube dos Anjos” – 2020), o realizador se propõe a capturar os acontecimentos em torno das comemorações dos 80 anos de Verissimo e, assim, acompanhar ao longo de quinze dias a rotina do homem por trás do célebre artista das palavras. Vemos, entre várias outras situações cotidianas, suas sessões de fisioterapia, as refeições em família, a preocupação durante os jogos do Internacional, as interações com os entes queridos e, claro, as atividades como escritor, tanto na criação à frente do computador, quanto na divulgação de suas obras.

Mas, se por um lado, a câmera de Defanti parece se “contaminar” pelo jeito comedido de Verissimo, optando por ficar sempre estática e um tanto afastada, como quem deseja apenas registrar os eventos, é possível dizer que o documentarista se apega também a elementos de puro apelo narrativo como, por exemplo, o relógio de pêndulo que insiste em marcar a passagem do tempo, com seu toque solene, quase bergmaniano. As cartelas que criam uma espécie de contagem regressiva e o cansaço – traduzido em tiradas repletas de ironia – que se estampa no rosto geralmente plácido do escritor, à medida que os sucessivos compromissos de celebração se acumulam, também ajudam a criar uma estrutura que progride tal qual uma jornada que nosso quase octogenário herói precisa cumprir. Além disso, é notória a forma como o filme trabalha sua relação esposa e netos, sempre expansivos e cheios de movimento, estabelecendo-se como antíteses de um homem que preza o silêncio observador.

Vencendo o desafio de se dedicar a um quase antiprotagonista, que pouco age frente ao aparato cinematográfico que o circunda, “Verissimo” foge do convencional e amplia a visão do público acerca de um dos maiores autores brasileiros contemporâneos. Criando interesse a partir do que há de banal em alguém reconhecido por sua inteligência extraordinária, este é um longa que poderia facilmente ser resumido por uma frase que também se encontra na coletânea citada na epígrafe desse texto: “A primeira mágica do cinema, o fato do cinema em si, já basta como fascínio.”. E que banquete divino é, através do cinema, sentar à mesa com Luis Fernando Verissimo.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo