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“Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo”: Zack Snyder abusa da própria estilização em filme-fetiche feito para seus devotos | 2023

Eu acho que isso vive em você!

Surgiu já há algum tempo, em uma conversa ocasional com um amigo, um comentário que dizia “pensou slow motion, pensou Zack Snyder”. Um comentário plenamente adequado, devo dizer. De igual maneira, as explosões estão para Michael Bay como os lens flare estão para J. J. Abrams. Cada diretor popular possui um aspecto próprio na tratativa das histórias que conta, e Zack Snyder cativou uma legião de fãs ao adaptar ‘300’ para o cinema em 2007, em um filme recheado de slow motion como o fez em todos os seus filmes seguintes (exceto ‘O Homem de Aço’, de 2013). O uso narrativo da câmera lenta emprega ares mais contemplativos à trama, salientando algumas expressões mínimas que, na velocidade normal, talvez passassem despercebidas.

Contudo, a gratuidade do uso dessa estética surte o efeito contrário e torna o belo em chacota, que é o caso, infelizmente, da primeira parte de ‘Rebel Moon’, subtitulada ‘A Menina do Fogo’, que chegou ao catalogo da Netflix no final de dezembro de 2023. Recordo de imediato uma cena, na virada para o nono minuto, onde ocorre um diálogo corriqueiro sobre uma insinuação sexual da noite anterior e a câmera lenta registra a mão da protagonista vivida por Sofia Boutella jogando grãos no chão.

O intuito mais provável seria comunicar fertilidade (o que não faz o menor sentido, tendo em vista a irrelevância da cena para o restante do filme e sua incompatibilidade com a temática), ou talvez ainda quisesse destacar o ofício exercido por Kora na comunidade onde decidiu se instalar. De todo modo, o uso despropositado da câmera lenta nessa cena dá um tom de ridículo que fica sondando o restante da obra como se fosse um predador, sempre à espreita, esperando o momento certo para se revelar – e isso se torna algo até agradável se você estiver disponível a abraçar a galhofa junto com o filme.

A composição visual possui a elegância de sempre de Snyder, com um cuidado exacerbado (e bem-vindo) aos detalhes de todos os componentes de cena, mas isso não basta para manter de pé um filme de mais de duas horas se não houver em sua base um roteiro que o sustente. Na construção do universo houve êxito, mas na construção do conceito dele houve mais lacunas vazias do que definições efetivas.

Existe uma fragilidade na problemática que se ergue aqui, porque tudo parece apenas riscado pela superfície. É como se o filme fosse uma nave e o público só passasse a mão por sua lataria externa, apreciando seu design e suas texturas, mas nunca adentrando seu interior para conhecê-la por dentro. Os personagens que compõem a guerrilha de enfrentamento rebelde tem motivações vagas e seus desenvolvimentos e histórias devem ter ficado para a parte 2, porque aqui mal se teve um vislumbre de quem esses indivíduos são.

Objetivamente, é um filme bonito mas quase vazio, mas por fim não há problema nisso porque ele nunca se propôs a ser mais do que isso. Se você não aderir ao descompromisso do próprio diretor em tecer grandes comentários políticos e críticas sociais, vai acabar detestando essa jornada de justiça/vingança espacial proposta aqui.

Contudo, em uma análise paralela a Star Wars (coisa que não devia acontecer mas que inevitavelmente acontece), nota-se que Snyder quis explorar um lado mais baixo da guerra e dos traumas do que o visto na jornada aventuresca do universo criado por George Lucas. Assuntos como estupro coletivo, submissão escravagista e rapto infantil acabam entrando em cena não para ser o foco ou o fio condutor, mas sim para promover alguma empatia e identificação com os personagens e enobrecer suas causas e o caráter que possuem. Por querer que o público se importe, o filme dispara alguns gatilhos para depois levantar os braços em mea culpa por não desenvolver nenhuma das polêmicas que levanta.

Falta a leveza de ‘Star Wars’ e a determinação do choque de ‘Game of Thrones’ (porém aqui pelo menos temos os dois intérpretes de Daario Naharis dividindo algumas cenas juntos). E como se não bastasse a versão do diretor de ‘Liga da Justiça’, sabe-se agora que existe também um Snyder Cut para esse primeiro capítulo de ‘Rebel Moon’. É, Snyder está abusando das vontades de seus fiéis escudeiros. Mas tudo bem, é nítido que o principal para o diretor aqui é agradar a própria legião e preparar o terreno para uma série de sequências e spin-offs. Se é para ser fetichista, então que assim o seja!, pois pelo menos nisso o filme é bem honesto.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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