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“Tempo de Guerra”: com embate entre peões, filme faz retratação crua dos horrores da guerra | 2025

Procure o sangue e a fumaça. Estamos lá.

Quão silenciosa uma guerra pode ser? E quão barulhenta ela também é? A exploração dos horrores e traumas de guerra se mostrou um negócio muito lucrativo dentro da indústria cinematográfica – e isso vem desde os tempos da primeira guerra mundial (o primeiro filme do tipo foi lançado em 1918). Graças à imensa demanda de obras incessantes que exploram tais conflitos e os abalos que eles acarretam, é fácil encontrar filmes do gênero construídos sobre algum apelo partidário, seja ele emocional ou puramente ideológico, entrando em cartaz periodicamente. É como se Hollywood (e vez ou outra outros mercados internacionais) dissesse a si mesma “vamos encaixar um filme de guerra aqui, só pra não dizer que não teve” e lançasse um produto formulaico já repetido à exaustão como se fosse fruto de uma cartilha pronta. Isso ocorre porque esses são filmes relativamente fáceis e pouco custosos, com um público cativo que garante a bilheteria e não deixa o gênero morrer. Não à toa, rende um bom dinheiro.

Filmes de guerra são complexos, mas quase sempre “baratos” em relação às demais extravagâncias dos blockbusters que foram lançados de dois mil para cá. Um traço marcante e bem próprio, que quase sempre vem com pirotecnia estilística de filmes assim, é a presença de figuras heroicas emanando bravura, que são ou muito sortudas ou sobrenaturalmente blindadas. No cinema americano, principalmente, são pouquíssimas as obras que não se fazem, de alguma maneira, uma enorme propaganda de guerra. Uma das poucas obras que conseguiu fugir desse estigma foi a duologia de Clint Eastwood lançada em 2006, como um projeto ambicioso onde os filmes “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima” complementam um ao outro enquanto apresentam brilhantemente as duas faces de um conflito da segunda guerra mundial.

De forma muito diferente, “Tempo de Guerra” (“Warfare”, 2025) se aproxima da mesma intenção – não por expor o lado do “inimigo”, mas por desmistificar a imagem de herói que recai sobre os combatentes em filmes assim e escancarar a fragilidade de indivíduos que só querem voltar para suas casas. O grande acerto está no fato de que, apesar de mostrar apenas um lado da batalha, a obra não se apresenta como uma panfletagem recheada de bandeiras estadunidenses, que enaltecem o espírito patriótico de homens dispostos a morrer pelo seu país ou que sequer são capazes de resolver alguma coisa no escopo absurdamente maior que a guerra é. É um esquadrão americano, sim, mas poderia muito bem ser um retrato dos oponentes que se posicionam do outro lado da rua. “Tempo de Guerra” é uma fábula crua de temor e desesperança, onde o foco não é o indivíduo mas sim a situação aflitiva onde o grupo se encontra. Não existem protagonistas, nem tampouco antagonistas ou vilões com rostos conhecidos a quem demonizar. Apenas homens ansiosos se enfrentando no cenário de uma guerra que eles mesmos não criaram.

Todos ali são tão agressores quanto igualmente vítimas de uma articulação política oportunista, dos quais o filme se abstém de contextualizar pelo fato de sua realização não se tratar de uma crítica aos cínicos governantes vigentes na ocasião, e sim o estabelecimento de um retrato de guerra sem a glamourização arquétipa do herói, do covarde e do inimigo. Todos são como peões em um tabuleiro de xadrez; peças que estão ali para assumir posições que conquistem o território inimigo ganhando presença e estabelecendo domínio. De um lado do tabuleiro, a resistência local (os supostos terroristas anunciados daquela ocasião – leia “supostos” entre grandes aspas porque, como bem sabemos, o Iraque foi invadido e forças de resistência foram criadas sem ser, necessariamente, ligadas a grupos terroristas); do outro, soldados acuados em uma armadilha que construíram sem perceber. E entre os oponentes, as paredes de uma residência.

O filme é, na verdade, um manifesto anti guerra repleto de sons incômodos, gritos, zumbidos e “demonstrações de força” ensurdecedoras que retratam com um pavor cirúrgico o quão intenso e perturbador um cenário de guerra consegue ser. Não há discursos bonitos, falas motivacionais, nem momentos gloriosos de sacrifício pelo bem maior; apenas garotos – homens, na verdade – assustados e ansiosos querendo sair logo de uma situação onde a morte pode vir de qualquer lado, a qualquer momento. O roteiro é assinado por Ray Mendoza, ex-fuzileiro da SEAL e sobrevivente do combate em questão, que compartilha suas memórias e as de seus colegas em um trabalho co-dirigido por Alex Garland, de “Guerra Civil” e “Ex-Machina”. Juntos, Mendoza e Garland construíram aqui uma experiência cinematográfica visceral que assombra e deslumbra na mesma medida – além de ter, até o momento, o melhor trabalho de som de 2025. E detalhe: Sem qualquer trilha sonora, nada para conduzir o emocional do público. O objetivo foi entregar um trabalho realista e aterrador, e isso os realizadores conseguiram com sucesso – desde os tediosos minutos iniciais, onde aparentemente nada acontecerá, até o derradeiro desfecho daquele dia absurdo.

O filme pode ser lido como uma metáfora às invasões das tropas estadunidenses, que chegam ao lugar onde outras pessoas vivem (lugar que construíram a duras penas) e o abandona em ruínas após sair, deixando um rastro terrível de destruição. Pode ser lido também, sob outra ótica, como uma crítica à tão enaltecida supremacia norte-americana, que coloca na cabeça de meninos sonhadores que cabe a eles resolver todos os problemas do mundo. Seja em seus silêncios de aparente quietude ou nos barulhentos sons de perspectiva que vão se alternando, “Tempo de Guerra” é mais do que meramente o retrato do combate na cidade iraquiana de Ramadi quase ao fim de 2006; é um lembrete que apela ao fim do destroçar de tantas vidas a troco de nada.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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