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“Saudosa Maloca”: Filme de Pedro Serrano é viagem pela mente notável de Adoniran Barbosa | 2024

"Se o senhor não tá lembrado dá licença de contar"

João Rubinato, mas conhecido como Adoniran Barbosa, o grande ícone do samba na terra da Garoa, deixou um legado sem igual ao gênero e contribuiu imensamente para nomes que vieram depois. Num país  onde muito se fala sobre o samba carioca, Adoniran foi capaz de quebrar as barreiras bairristas com “Trem das Onze”, onde o clássico recebeu um prêmio no concurso de músicas para o carnaval do IV Centenário da cidade do Rio de Janeiro, em 1965. O sambista veio a falecer em 1982 e pouco antes de nos deixar ainda nos deu outra pérola do samba: “Tiro ao Álvaro”, numa bela parceria com a pimentinha Elis Regina.

Contudo, “Saudosa Maloca”, filme de Pedro Serrano (“Adoniran – Meu Nome É João Rubinato”, outro trabalho do cineasta sobre o sambista, só que no formato documentário), que chega essa semana aos cinemas, não é uma cinebiografia do compositor e sim um conjunto de histórias presentes nas canções do mestre e personagens que também transitam em suas composições. Digamos que o longa que carrega o nome de um dos sambas mais celebrados de todos dos tempos, é uma viagem pela mente de Adoniran, misturando presente e passado numa narrativa deliciosa através da história. Tudo com muito humor, e claro, samba!

O longa, que tem roteiro de Serrano, Guilherme Quintela (“Sintonia”, “Meu Amigo Hindu”) e Rubens Marinelli (“O Santo Maldito”) e teve consultoria de Lusa Silvestre, conhecido por seu trabalho nos roteiros de “Estômago” e no mais recente “Medida Provisória”, traz Adoniran, já do alto de seus 72 anos, narrando ao garçom Cícero (Sidney Santiago) histórias de uma São Paulo que não existe mais, lembrando com carinho dos amigos Matogrosso (Gero Camilo) e Joca (Gustavo Machado), que na época viviam numa maloca e brigavam pelo amor de Iracema (Leilah Moreno). A dupla Machado/Camilo é um alivio cômico muito bem vindo na trama. O humor nas interações desses personagens me rementem a uma comicidade ingênua e cheia de carisma, de um jeito de fazer comédia que já não se vê mais, assim como faziam os saudosos Trapalhões ou mesmo Mazzaropi.

À medida que conta seus “causos”, Adoniran (na pele de um irretocável Paulo Miklos) estreita sua relação com Cícero e ambos acompanham o crescimento desenfreado da especulação imobiliária, que passa por cima de tudo e todos, e que faz a cidade se transformar num imenso jardim de concreto. Os batuques ouvidos durante as conversas de Cícero e Adoniran já não eram mais do pandeiro, mas sim das betoneiras e escavadeiras que aos poucos arrancavam pessoas do lugar de origem e mudavam a identidade da cidade de São Paulo.

“Saudosa Maloca” usa o universo do mestre Adoniran para nos contar sobre uma metrópole que já não existe mais, que foi arrancada de si mesma por conta da fome capitalista e de um mercado insaciável, que não conhece limites para buscar o progresso, que pra muitos pode representar avanço e para outros o fim de um sonho. Todo falado em ‘Adonirês’ (assim como disse Paulo Miklos numa conversa comigo durante a pré estreia carioca), o longa de Serrano é um resgate poético e cheio de personalidade da obra do sambista, ainda que em meio a nostalgia e o sonho, exista o pesadelo de uma cidade que deixou a maloca ser destruída.

Rogério Machado

Designer e cinéfilo de plantão. Amante da arte e da expressão. Defensor das boas causas e do amor acima de tudo. Penso e vivo cinema 24 horas por dia. Fundador do Papo de Cinemateca e viciado em amendoim.

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