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“Wish: O Poder dos Desejos”: Celebrando o centenário da Disney, filme tropeça na própria grandeza | 2024

Crie gado, mas não expectativas!

Em qual filme você pensa quando escuta ou lê o nome Disney em algum lugar? Filmes da Disney sempre geram alguma expectativa, e não é para menos. O estúdio conseguiu, nesses 100 anos de existência, entregar obras-primas de valor inestimável ao cinema e criar tecnologias e tendências que influenciaram todo o mercado com seu espírito inovador. E para celebrar tamanho legado conquistado em sua história, decidiu-se lançar uma animação que reuniria o que há de melhor nesse século tão prestigiado e promoveria uma nova tendência, com uma mescla dos estilos de animação vistos em sua jornada até agora.

Com isso em vista, ‘Wish: O Poder dos Desejos’ nasceu como um projeto apoteótico que coroaria o primeiro centenário da empresa criada por Walt Disney em sua excelência absoluta, mas o resultado ficou tão aquém do potencial que sou obrigado a questionar se o W no título não teria o som de um V, já que o mais apropriado é chamar o filme de ‘Vish!’, como a deliciosa interjeição nordestina “vixe”, que denota espanto – nesse caso, pela frustração de uma obra que devia ser épica e não passou do medíocre.

O único mérito dessa nova animação reside na tentativa, mas ouso dizer que teria sido menos penoso se ela simplesmente não existisse. Não há nada propriamente novo – e isso não costuma ser um problema, afinal o cinema é uma colcha de retalhos onde recortes de outras obras compõem um mosaico novo e próprio, mas nem sequer esse mosaico o filme consegue imprimir.

A ânsia em atolar a tela com referências desgasta toda a possibilidade de construir algo verdadeiramente original, fazendo parecer que o filme só foi feito para atender uma demanda de apelos nostálgicos. Ocorre que, com a constante menção visual a outros títulos laureados e hoje considerados clássicos atemporais, o filme promove em si mesmo uma constante comparação com as melhores eras do estúdio e com isso acaba por reafirmar sua veia ordinária.

É como se assistíssemos a um compilado de melhores momentos dos filmes de Quentin Tarantino, por exemplo, mas em recortes desconexos feitos apenas para despertar uma recordação que acene à nossa memória sobre o quão bom o diretor é e como foi prazeroso assistir tais filmes – só que esses recortes não são e nem nunca serão um filme do Tarantino, mesmo trazendo fragmentos de sua filmografia, e isso se dá porque o toque do diretor para entregar sentimentos específicos só está nas obras originais, graças ao timing e à construção de suas narrativas. O recorte, por mais legal que seja, só faz evocar aquilo, mas em si ele não diz muita coisa. Isso é ‘Wish’, em resumo.

O roteiro é tão superficial quanto uma piscina infantil sendo esvaziada. Lançado nos cinemas brasileiros no começo de 2023, exatamente um ano antes de ‘Wish’, ‘Gato de Botas 2: O Último Pedido’ (cujo subtítulo original é ‘The Last Wish’) trabalhou com uma maestria muito superior a temática de fazer um pedido a uma estrela e debateu com muito mais eficiência a importância de compreender e aceitar os anseios internalizados que cada um possui individualmente.

Até a estética do segundo filme do Gato é superior, fazendo uma mistura cartunesca entre animação 3D, anime e traços de quadrinhos, enquanto aqui usa-se uma mescla do 3D com o clássico 2D das antigas animações de uma maneira tão estranha e mal definida que os estilos parecem brigar entre si ao invés de se comunicarem harmonicamente. Embora permaneça alguma beleza em alguns momentos, principalmente nos traços da protagonista Asha (voz original de Ariana DeBose), o resto ficou esteticamente bem semelhante aos filmes da Barbie que a Disney lançava direto para DVD em meados da década de 2000. O resultado parece mal acabado e dá a impressão de que será aquele tipo de animação obsoleta já daqui a um ano.

Talvez seja culpa de uma vertente do politicamente correto, como um reflexo de nossos tempos, mas parece que faltam colhões ao estúdio para impor uma ameaça que seja, de fato, ameaçadora. Temos em ‘Wish’ um dos piores vilões de toda a história da Disney, e com “piores” não me refiro à maldade do personagem, mas sim o seu péssimo desenvolvimento e sua motivação absurdamente fraca e injustificada.

Cadê a Disney que debateu complexidades político-religiosas com o juiz Claude Frollo em ‘O Corcunda de Notre Dame’? Cadê a Disney que matava seus vilões sem passar pano para suas crueldades e escolhas erradas? Cadê a Disney que fazia personagens icônicos, mesmo que fossem releituras, como Scar em ‘O Rei Leão?’ Parece que aquela Disney, tão dourada e reluzente, já não existe mais. O ouro deu lugar à Nutella, onde parece ser proibido expor às crianças as complexidades da vida; e por escolher não dialogar sobre essas complexidades (que são a problemática que o mesmo propõe), todo o resto assume um caráter descartável. Tem uma mensagem sobre lembrar dos próprios desejos e persegui-los, mas é uma mensagem construída de maneira tão frágil que o próprio filme a invalida contraditoriamente, mesmo sem querer.

Toda a devoção do povo ao rei Magnífico e toda a benevolência que Asha acha que ele possui rendem uma premissa que chega a ser até interessante, mas pela preocupação em ser grandioso o filme deixa de aprofundá-la em suas necessárias camadas e a torna tão subaproveitada que o todo vira algo esquecível quase que imediatamente.

Lembra que perguntei lá no início sobre qual era o filme em que você pensa quando o nome Disney surge na sua mente? Com certeza não é ‘Wish’ e arrisco que também não o será para a atual geração de crianças. ‘Frozen’, lançado 10 anos atrás, é mais forte do que qualquer animação do estúdio feita nos últimos 5 anos, e duvido muito que algum grande apreciador da Disney venha a colocar ‘Wish’ em sua lista pessoal como um dos melhores filmes do estúdio – mas certamente os melhores desenhos de qualquer lista foram homenageados de algum modo dentro desse filme.

Uma pena, de verdade, que um filme sobre o poder do desejo deixe o público só na vontade. O estúdio abdicou daquilo que era sua maior marca, a originalidade, em prol de uma homenagem a si mesmo que acabou, no fim das contas, não passando de um autocarinho orgulhoso. ‘Wish’ é um filme que desejava ser grande, desejava muito, mas acabou esquecendo de crescer.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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