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“Sobreviventes: Depois do Terremoto”: longa sul-coreano cria alegoria social sobre a eterna guerra de classes | 2024

Eram apenas... pessoas comuns.

As teorias sociais são, em sua maioria, muito coerentes e justas, cada uma ao seu modo. Ocorre que, enquanto as teorias são bonitas e possuem uma estrutura inteligente, a disposição prática dessas teorias é sempre falha e desigual em todo e qualquer regime. Em ‘Sobreviventes: Depois do Terremoto’ vemos uma alegoria interessantíssima sobre como a dinâmica socioeconômica afeta diretamente a vida das pessoas e como isso as influencia e molda. E não há um único argumento que seja defensável; independente do regime que seja o ideal para você, que está lendo, há de se convir que todos, sem exceção, foram ineficazes em extinguir a desigualdade e a injustiça. Consciente desse fato, o filme cria, em sua trama parabólica, artifícios para condenar capitalismo, comunismo, socialismo, anarquismo e monarquismo em uma martelada só.

Criando uma hipérbole da catástrofe, o roteiro nem sequer se preocupa em disfarçar seu caráter metafórico e vexatório – e também nem devia se preocupar, uma vez que é justamente esse traço que o destaca dos demais enredos ficcionais que tentam tecer críticas à sociedade. A história se desenrola em torno de um condomínio de uma só torre que se torna o único edifício a permanecer de pé após um terremoto de proporções “apocalípticas”.

O horizonte, a perder de vista, está tomado de escombros daquilo que já foi uma grande metrópole sul-coreana, e diversas pessoas passam a peregrinar em meio ao caos para buscar refúgio e abrigo nesse prédio que, sem explicações ou justificativas do roteiro, é o único que não foi ao chão. Como o foco da obra está no pós-terremoto, não cabe esperar encontrar aqui um cinema-catástrofe ao estilo ‘2012’ (2009), mas sim uma leitura de trauma e reação.

Claro, parte do sucesso da obra se deve à boa vontade do público de embarcar na loucura distópica que se instala sem nenhum tipo de auxílio humanitário, como se todo o resto do mundo tivesse ruído e só restasse um único prédio em pé – e é a partir do momento em que isso se torna perceptível e questionável que se dá conta de que o edifício é, na verdade, uma nação. Entendido isso, fica escancarado o teor crítico aos regimes sociais e às hipocrisias presentes neles. O terremoto é o ponto de partida para um cenário hipotético onde as ideologias sociais se confundem enquanto giram em torno daquilo que todas elas têm em comum na prática: segregação e desigualdade.

Não à toa, o título original do filme de Taehwa Um em coreano é ‘Utopia Concreta’, vendendo exatamente a ideia que todos os regimes vendem, quando na verdade o que se consolida é a inevitável busca pelas vantagens individuais. Os poucos indivíduos que se opõem ao sistema (e seja ele qual for) se tornam alvos de perseguição e tem suas liberdades sanadas. O filme expõe isso em uma escala bem amplificada, mas ainda assim deve-se questionar se estamos mesmo tão longe de um cenário como o retratado no filme. Em uma situação onde “não há diferença entre um assassino e um pastor”, pode-se ver que, no fim, todos são só pessoas comuns.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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