“Ponto Oculto”: entre o conflito e o olhar vigilante, longa desenha uma trama atravessada pela paranoia | 2025

Num mundo em que tudo pode ser gravado, a onipresença das câmeras, dos dispositivos móveis e das nuvens de armazenamento transformou o ato de ver em exercício de poder, e o de ser visto em risco constante. Vivemos, talvez como nunca, sob um regime de perpétua vigilância. Cada gesto, cada palavra pode ser capturado, recortado, editado, manipulado. Nem mesmo a Gestapo dispunha do aparato de controle que hoje cabe no bolso de qualquer cidadão. Quando essa lógica se infiltra em zonas de conflito histórico, como as tensões entre turcos e curdos, o registro da realidade deixa de ser testemunho e torna-se campo de batalha.
É desse entrelaçamento entre tecnologia e conflito político que surge “Ponto Oculto”, dirigido por Ayşe Polat. O filme se estrutura como um mosaico de dispositivos visuais, organizado em três blocos que operam sob diferentes regimes de olhar. Primeiro, a câmera documental tenta sistematizar a dor. Em seguida, o celular se transforma em instrumento de espionagem íntima. Por fim, o circuito de segurança vigia de forma automatizada, insensível, constante.
A proposta formal é engenhosa, mas excessivamente rígida. A divisão em capítulos parece moldada para sustentar uma tese sobre o poder da imagem como ferramenta de controle. O que se anuncia como crítica se revela uma armadilha formal, em que a forma engole o conteúdo. O filme pensa a imagem, mas se esquece de pensar quem olha. E nesse descompasso, o que poderia ser denúncia se dissolve em ruído. O thriller político se converte, aos poucos, em paranoia estética. A presença do sobrenatural, ainda que sugestiva, surge deslocada, como um recurso para manter o suspense quando já se perdeu o vínculo com o real. É um cinema que observa, mas não encara. Que registra compulsivamente, mas hesita em construir memória.
Diante de tantas imagens, resta a pergunta incômoda: o que “Ponto Oculto” nos permite ver que já não sabíamos? E mais importante, o que escolhe deixar de fora? O filme se comporta como uma câmera esquecida num cômodo vazio. Observa, registra, mas evita o confronto. Os curdos são descontextualizados, reduzidos a uma imagem de sofrimento opaco, prontos para ilustrar a tese, mas nunca para tensioná-la. Entre a vigilância e o desejo de controle narrativo, o filme tropeça na própria proposta. Talvez porque, para olhar o abismo, não baste gravar. É preciso assumir a vertigem.