“O Último Pub”: Drama sensível de Ken Loach aborda xenofobia e consequências da guerra com as ondas migratórias | 2024
Existe um peso na crueza e na espontaneidade das relações humanas capturadas pelo diretor britânico Ken Loach. Há mais de duas décadas seus filmes são narrativas poderosas que abordam temas políticos, sociais e econômicos. Prova do poder que o Cinema tem de trazer assuntos relevantes para o debate e lançar luz sobre tópicos desconfortáveis como os que Loach costuma colocar sua lupa de storytelling. Em seu longa-metragem mais recente, “O Último Pub” (2023), o foco recai sobre a situação das ondas migratórias de sírios no Reino Unido. Aos 87 anos de idade, Loach lança seu dito último filme da carreira, filme que inclusive foi indicado este ano ao prêmio BAFTA de Melhor filme britânico do ano de 2023.
“O Último Pub” é o terceiro filme de uma tríade de dramas sociais que começou com “Eu, Daniel Blake” (2016), que foi vencedor da Palm d’Or em Cannes, e “Você não estava aqui” (2019). Neste drama sensível da vez, Loach concentra toda sua narrativa em um Pub decadente em uma pequena cidade da Inglaterra. Seu dono, TJ Ballantyne (Dave Turner), oferece há décadas espaço para encontros sociais daquela comunidade conservadora e talvez seja o único espaço que resta vivo que une os moradores da região, pessoas desiludidas pelo desemprego e pela falência econômica – O Oak pub é o único estabelecimento que sobreviveu ao tempo.
O ponto de partida do Longa é a chegada de refugiados sírios na comunidade, pessoas calejadas com o sofrimento de terem perdido tudo e só carregarem praticamente a roupa do corpo e alguns bens pessoais. Uma dessas pessoas é a jovem Yara (Ebla Mari), que vem com sua mãe e seus irmãos morar na comunidade e são recebidos com ódio e violência pelos moradores. Um dos rapazes locais inclusive quebra sua câmera fotográfica, o único elemento de afeto que carrega consigo, já que o pai é prisioneiro de guerra e a presenteou com a câmera para registrar sua jornada. Devastada pelo prejuízo de sua câmera, ela pede ajuda ao dono do Pub, TJ, para identificar a pessoa que fez isso a ela e exigir que o homem violento a repare financeiramente. Este encontro acaba se tornando uma amizade que se assume como o eixo central da narrativa. Aos poucos entendemos também os dramas pessoais de TJ, que tem apenas o Pub e uma cadelinha chamada Marra em sua vida.
O filme coloca em pauta se povos com hábitos, línguas e culturas diferentes podem realmente coexistir e achar solidariedade uns com os outros (ou não) … O tipo de violência na qual os refugiados passam a encarar contrasta com a solidariedade que TJ demonstra ao se envolver cada vez mais nos dramas pessoais e dificuldades daquelas famílias. As cenas em que o ator Dave Turner e a atriz novata síria Ebla Mari interagem são fabulosas e poderosas ao mostrarem que a conexão genuína entre seres humanos, independentemente de onde vêm, está efetivamente na capacidade de entender o outro, de se sensibilizar pela dor do outro e de se ajudar. Mérito também do roteirista habitual dos filmes de Loach, Paul Laverty, um contador de histórias extremamente habilidoso e eficiente em capturar diálogos com um realismo acachapante.
E de local de encontro social entre os moradores ingleses beberrões, TJ ressignifica o Pub e o transforma em um catalisador para o bem com o objetivo de unir locais e estrangeiros naquele espaço geográfico poderoso de união. Os simbolismos propostos pelo filme são um dos pontos altos desta narrativa.
O final de “O Último Pub” se dá com uma nota otimista em relação à comunidade e os refugiados da Síria, reflexo positivo de que Loach e Laverty, apesar de tudo, enxergam que ainda há esperança nas relações humanas e na capacidade de povos se entenderem mesmo com tantas diferenças.