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“A Natureza do Amor”: Filosofia antiga encontra paixão moderna em comédia romântica sobre desejo | 2024

Em “O Banquete”, Platão descreve o amor como agente motivador para alcançar o bem e a verdade. Um dos pontos centrais em sua filosofia é a ideia de que o amor é um desejo de possuir o bem permanentemente, fazendo ascender da paixão por um corpo belo a apreciação de todas as formas de beleza. Embora esses conceitos possam parecer abstratos para o público contemporâneo, a cineasta canadense Monia Chokri em seu mais recente trabalho, nos oferece uma interpretação divertida, sensual e, por vezes, tumultuada dessa tal “Natureza do Amor”.

Na trama acompanhamos Sophia (Magalie Lépine Blondeau), uma professora de filosofia que vive com seu companheiro Xavier (Francis-William Rhéaume) há 10 anos. Quando o carpinteiro Sylvain (Pierre-Yves Cardinal) é contratado para reformar sua casa de campo, Sophia e Sylvain vivenciam uma paixão avassaladora.

A comédia romântica é frequentemente relegada a um status inferior no panorama cinematográfico. Muitos apontam para o enredo previsível, o forte apelo popular e um estilo de encenação um tanto novelesco como sinais de uma forma de arte menos nobre. No entanto, essas características não são necessariamente defeitos. Na verdade, a habilidade de entregar narrativas acessíveis e envolventes que ressoam em um público mais amplo é uma das principais forças do gênero. “A Natureza do Amor” exemplifica bem isso.

Logo na primeira cena somos introduzidos a Sophie e seu círculo de amizade, todos basicamente intelectuais de carreira burocrática e/ou acadêmica que mesmo divergindo pontualmente, formam uma unidade bem homogênia. A protagonista se envolve nas discussões, mas já é perceptível um certo cansaço no olhar. Na cena seguinte, em sua casa, testemunhamos um diálogo entre Sophie e Xavier. A conversa, mesmo que bem-humorada e carinhosa, ocorre com eles em quartos separados—ele lendo um livro, ela se preparando para dormir. Essa dinâmica evidencia a erosão do tempo em um casamento que se tornou rotineiro. Ambas as cenas irão ressoar de maneiras diferentes mais a frente na trama. Com esses eventos se desenrolando logo nos primeiros minutos, o filme se mostra muito hábil quanto à objetividade, inclusive inserindo na trama pouco tempo depois, o charmoso Sylvain, que surpreendentemente imprimi um ar de sensualidade e ingenuidade à história, e assim, colocando a vida de Sophie de cabeça para baixo.

As cenas de intimidade são tratadas de forma sensual, porém comedida. Há uma certa vulgaridade verbal que faz parte do jogo de sedução, mas nada que faça o filme se aproximar de uma trama erótica ou algo do tipo. Esta escolha criativa é claramente uma preocupação com o público juvenil, que constitui uma parte significativa da base de fãs do gênero. Em um contexto europeu a abordagem certamente seria mais aberta, já no Canadá—a despeito de ser uma nação progressista—a representação de temas sensuais para jovens é mais reservada, contrastando com a maior liberdade vista na Europa.

Exibido na mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes 2023, “A Natureza do Amor” é um filme leve e divertido. Longe de ser perfeito, é o tipo de obra que entretém e envolve sem grandes pretensões. Poderia se aprofundar em algumas temáticas? Certamente. Mas, como diz o ditado, “o melhor é inimigo do bom”.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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