“Rosário”: longa transforma o desconhecido em plataforma para o medo | 2025

O terror é um gênero fértil e, na busca pelo medo, explora símbolos dos mais diversos. O folclore local, as lendas urbanas, os rituais religiosos, as superstições e até mitologias antigas são mobilizados para alimentar a imaginação diante do desconhecido. O desafio se impõe quando esse desconhecido pertence a outra cultura. Esse contato pode gerar descobertas, mas também simplificações perigosas. Nem sempre há diálogo e não raras vezes o que se vê é apropriação, quando tradições inteiras são transformadas em ameaça ou coisa pior.
É nesse contexto que se situa “Rosario”, longa de estreia de Felipe Vargas. Logo nos primeiros passos, antes mesmo do horror tomar conta, o filme apresenta Rosario (Emeraude Toubia) e parte de sua família em uma dinâmica que remete à novela mexicana. Não se trata de deslegitimar essa linguagem, que possui marcas próprias e reconhecíveis, como a cadência das falas, o gestual intenso e o prolongamento dramático das emoções. A questão é o modo como o filme a utiliza, como se representar uma família mexicana implicasse reproduzi-la de forma automática, sem pleno domínio de seus códigos.
Quando, ainda no início, Rosario, que agora adulta e bem-sucedida abdica do próprio nome e prefere ser chamada de Rosy, recebe uma ligação informando a morte da avó e precisa ir até o apartamento, a narrativa reforça esse olhar de fora. Entre as paredes do lugar surgem câmaras ocultas, livros de aspecto assustador, vermes espalhados pelos cantos. Logo descobrimos que muitos dos artefatos encontrados estão ligados ao Palo Mayombe, prática religiosa de origens latino-africanas. Aqui, a escolha do filme pesa. A religião é apresentada como manifestação obscura, algo a ser temido, reduzida a estigma de degradação e perigo. Uma generalização tosca e totalmente descabida.
Apesar dessas distorções, “Rosario” revela qualidades na construção da atmosfera. O apartamento, filmado como espaço em ruína e claustrofobia, funciona como extensão material do medo. Os efeitos práticos dão corpo às aparições sem recorrer ao excesso digital, o que preserva a fisicalidade do horror. Emeraude Toubia sustenta bem a personagem, mesmo quando o roteiro tropeça em estereótipos, e Felipe Vargas prefere investir em uma inquietação que se acumula lentamente em vez de apelar a sustos fáceis.
“Rosario” entrega rigor na construção da atmosfera, mas se enfraquece ao transformar diferença em exotismo. O que poderia ser encontro se converte em distorção, e o filme se perde na lógica do olhar colonizador que adota.