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“Yõk Ãtak: Meu Pai, Kaiowá”: documentário aborda pela perspectiva indígena os efeitos das ausências impostas pela ditadura militar | 2025

O mote da busca vem sendo a escolha para muitos realizadores que desejam abordar os efeitos das separações provocadas pela truculência da ditadura militar. Do clássico “Cabra Marcado Para Morrer” (finalizado em 1984) ao recém-oscarizado “Ainda Estou Aqui”, histórias que narram a procura por entes queridos que precisaram sair de seus lares ou que foram simplesmente retirados à força da companhia de seus familiares têm jogado luz sobre a escuridão e o vazio deixados por essas ausências. Contudo, não são numerosos os projetos que observam tais efeitos pela perspectiva da população indígena, que sempre precisou resistir aos mais variados atentados contra a sua dignidade com ou sem generais no poder. “Yõk Ãtak: Meu Pai, Kaiowá” surge, então, como um raro olhar subjetivo de representantes de nossos povos originários acerca dos abalos emocionais que a não convivência com a figura paterna impõe.

O longa se inicia com um longo plano estático no qual Sueli Maxakali, por trás da câmera, apresenta para o pai desaparecido os membros de sua família, que pouco a pouco vão entrando no quadro. Dessa forma, já em seus primeiros minutos, é assumido pela narrativa um caráter de carta destinada a Luiz, um Kaiowá andarilho de Mato Grosso que décadas atrás foi levado a Teófilo Otoni (MG) pelos militares para trabalhar, ocasião em que conhece a mãe de Sueli e sua tribo. São apresentados também gradativamente a rotina e os costumes do povo Maxakali, quando é possível perceber a tremenda influência dos hábitos dos não-indígenas. Mesmo que muitos rituais permaneçam vivos no lugar, a presença de celulares e camisas de clubes de futebol (inclusive estrangeiros) são alguns exemplos do quão ameaçada está a essência cultural daquelas pessoas.

E dessas práticas resguardadas, talvez, a que mais chame a atenção é a valorização da transmissão oral das experiências. São muitos os momentos em que os membros daquela comunidade conversam sobre suas vivências, muitas vezes, entendendo Luiz como uma espécie de interlocutor. A relação com o idioma – e é curioso como se pode notar a mistura com o português – revela um cuidado com a manutenção daquilo que os une como povo e que serve como um poderoso instrumento de fortalecimento de uma identidade: “Vou virar a minha fala.”, diz um deles. E, nesse sentido, o documentário explora, sobretudo quando Luiz entra em cena, a necessidade de um sutil entendimento tanto verbal quanto comportamental, já que, a princípio, ele se mostra um tanto arredio diante dos familiares que não conhecia e da equipe de filmagens.

Utilizando as ferramentas do homem branco para contar histórias, os quatro realizadores de “Yõk Ãtak: Meu Pai, Kaiowá” (entre eles Sueli e seu marido) deixam transparecer uma certa inexperiência com a tecnologia que tem em mãos – repare no momento em que a bateria da câmera acaba, por exemplo – mas, por outro lado, conseguem captar de modo genuíno passagens reveladoras que expõem a sobrevivência de grupos que lutam, apesar das muitas interferências externas, para manter minimamente íntegras sua unidade e o seu ancestral modus vivendi. Felizmente, eles ainda estão aqui.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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