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“Betânia”: um oásis em meio à escassez de novos cenários na cartografia do audiovisual brasileiro | 2025

A falta de um projeto de fomento e criação de polos de cinema ao longo de toda a extensão do território brasileiro faz com que a maioria dos nossos filmes venham de poucos centros, geralmente, capitais onde grandes produtoras se instalam e se estabelecem como marcas de prestígio (como a Conspiração Filmes, por exemplo) ou coletivos periféricos que se formam para dar vazão às histórias que não se encaixam numa estética padronizada. Assim, não é de estranhar que sejam raros projetos que expandam as fronteiras do olhar do público, obras que levem às telas locais que não pertençam a qualquer um dos já tradicionais eixos de nossa incipiente indústria. Infelizmente, títulos como “A Febre” (2019) e “Noites Alienígenas” (2022), vindos respectivamente do Amazonas e do Amapá, ainda são espécimes exóticos dentro da fauna audiovisual brasileira, o que reflete a urgência de mais investimento do setor nesses lugares tão belos e ricos culturalmente, mas que também possuem inúmeras mazelas para denunciar.

“Betânia”, portanto, surge como mais um oásis em meio ao deserto de filmes que escapam dos cenários mais óbvios para nos situar numa das regiões mais deslumbrantes do País: o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Instalado no núcleo familiar de uma parteira recém-viúva que carrega o mesmo nome do povoado onde se desenrola as pequenas tramas que vão ganhando a atenção do espectador, o longa de Marcelo Botta finca o pé na areia das dunas do lugar (que, talvez, só tenha recebido o esmero de um olhar cinematográfico no ótimo “Casa de Areia”) para também mostrar as tradições que acompanham uma população cuja subsistência consiste especialmente na pesca e no turismo. Convencida a deixar a aldeia remota em que vivia, a matriarca vivida por Diana Mattos carrega no olhar não só a tristeza pela perda recente do marido como também a dor de ter visto morrer em suas mãos uma das filhas durante um parto, angústias essas que se somam à observação preocupada com a degradação tanto ambiental quanto humana que se apresenta em seu horizonte.

Enquanto amplia as possibilidades temáticas ao expor os conflitos vividos pelos membros daquela família – dentre os quais pode-se destacar o embate entre a filha religiosa de Betânia e a neta que sonha em ser DJ – Botta preenche a tela com lindas imagens de uma paisagem inóspita, porém hipnotizante, e dos rituais festivos que dão um colorido todo especial ao filme. Além disso, o tom documental empregado pelo diretor deixa uma preciosa sensação de que não estamos diante de personagens, mas sim de pessoas reais que vivenciam as maravilhas e os riscos de um território vasto que, literalmente, muda ao sabor dos ventos.

E, talvez, o encanto excessivo por aquilo que se quer mostrar seja o principal problema de “Betânia”. Ao se colocar interessada em tanta gente ao mesmo tempo, a narrativa não se dedica de fato a nenhum dos dramas apenas tangenciados. Questões como o avanço de facções criminosas ou a complicada situação dos pescadores que se deparam com uma quantidade cada vez maior de lixo em suas redes são apenas jogadas dentro de um mosaico que também mal desenvolve os dilemas enfrentados pelo núcleo principal. Aliado a isso, temos um acúmulo de cenas de danças típicas, que pouco contribuem para o desenrolar das múltiplas histórias que se pretende contar, e uma montagem incisiva que picota muitas passagens, acelerando o ritmo de segmentos que precisavam de um respiro maior para que certas emoções pudessem brotar e se desenvolver com maior profundidade.

Assim, mesmo que sua existência seja um alento diante da escassez de filmes localizados fora dos ambientes já bastante cartografados por nossos realizadores, “Betânia” não chega a formar aquela imensa lagoa cheia na qual espectadores sedentos poderão se banhar e perder o norte. No máximo, podemos nos encantar com as flores que surgem nos períodos de seca e esperar por um novo momento em que seja possível apreciar o paraíso na sua plenitude.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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