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“Vermiglio – A Noiva da Montanha”: um retrato sóbrio de desejos reprimidos, memórias enterradas e rotinas que se repetem | 2025

Maura Delpero observa o peso das rotinas e o desejo que não encontra forma

A trama se passa em uma pequena vila alpina, em 1944. Um lugar onde a guerra não chegou. Ao menos, não diretamente. Sua presença está nas ausências, nas cartas que não chegam, na rigidez de quem aprendeu a controlar o afeto para sobreviver. O desertor Pietro (Giuseppe De Domenico) passa as noites escondido no celeiro, em silêncio. Lucia (Martina Scrinzi), a filha mais velha, se aproxima dele com uma delicadeza que não pede nada em troca. Não há promessas, só uma vontade discreta de escapar.

Cesare (Tommaso Ragno), o pai, impõe ordem com uma paradoxal gentileza autoritária. Toca Vivaldi para os filhos como se isso bastasse para educá-los. Decide quem estuda, quem fica e quem vai. A mãe, Adele (Roberta Rovelli), entre um lamento e outro, organiza a rotina como quem não pode parar nem para chorar. Tudo isso captado por uma câmera quase sempre distante, que filma de longe, em planos abertos. Ada (Rachele Potrich), a filha do meio, escreve seus pecados e se pune em segredo depois de tocar o próprio corpo. Flavia (Anna Thaler), mais nova, é a única com alguma chance de escapar pela educação. As duas disputam uma oportunidade já decidida por Cesare, e nesse contexto, o gesto mais cruel do filme não é um grito, mas um boletim entregue. Nem mesmo o amor, quando aparece, serve de alívio de alguma maneira. A culpa sempre chega primeiro.

“Vermiglio” propõe um cinema que resiste ao impulso narrativo. Não há clímax. Não há redenção. A estrutura se organiza em estações, como se o tempo fosse apenas mais um obstáculo a ser vencido. Há beleza, sim, mas ela não está a serviço da contemplação. A diretora Maura Delpero recusa a catarse. Prefere o intervalo entre as ações. Porém, às vezes isso custa caro. O excesso de personagens e a fragmentação das tramas esvaziam o impacto de certas figuras que desaparecem antes de existir. Virginia (Carlotta Gamba), a vizinha rebelde, some com o mesmo ruído com que chegou. Pietro mal fala. Attilio (Santiago Fondevilla) não fala. Alguns rostos pedem um filme que não lhes é dado. Ainda assim, o que permanece é mais forte do que o que escapa.

“Vermiglio” não seduz, não convence, não dramatiza. E nesse gesto há um certo rigor, mas também respeito. Os corpos que habitam esse mundo não foram feitos para o drama, mas para a resistência. E o filme os acompanha sem interferência, com uma reverência que por vezes se confunde com distância. No fim, não há lição, não há consolo. Só a permanência das coisas que não cessam.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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