“Stella – Vítima e Culpada”: drama sobre holocausto explora dilemas morais de judia que contribuiu com a Gestapo para sobreviver | 2025

Stella Goldschlag foi uma aspirante a cantora de jazz, judia alemã, que ficou famosa (negativamente) durante a Segunda Guerra Mundial por ter cooperado com a Gestapo e entregado centenas de judeus, os quais perderam suas vidas em campos de concentração.
O filme mais recente do diretor Kilian Riedhof, “Stella: Vítima e Culpada”, aposta no talento da atriz Paula Beer (“Undine” [2020] e “Frantz” [2016]) para contar este relato que respinga no dilema ético que alguns judeus enfrentaram nos anos 40 ao decidirem contribuir com os alemães com o intuito de sobreviverem e pouparem suas famílias.
Goldschlag operou entregando judeus de 1943 a 1945 e era chamada pelos oficiais alemães de “Blonde Poison”, ou “loira venenosa”, em livre tradução para o português. Estima-se que ela tenha, através de sua atividade de informante, entregue cerca de 3.000 judeus. Com o intuito de mergulhar fundo neste lamentável relato histórico, Paula Beer se entrega em uma atuação intensa, muito marcada por silêncios e por sequências que ressaltam seus olhos expressivos. O desempenho acima da média da atriz alemã se reflete em cenas que envolvem esforço físico: durante as torturas violentíssimas a que a protagonista é submetida pelos agentes da SS; no medo estampado em seu rosto, com a constante ameaça de ser deportada com sua família para Auschwitz; bem como no início da narrativa, em que esbanja talento musical e performático ao interpretar “Let’s Misbehave” com sua banda, clássico do jazz de Cole Porter.
É notável também a direção de arte e fotografia da obra, que injeta um “razzle-dazzle” às cenas em que Beer realiza performances musicais em casas de shows e ensaios e, aos poucos, vai drenando o uso da paleta de cores e vivacidade à medida que a ameaça do extermínio dos judeus avança na narrativa. Riedhof captura de forma eficiente o terror e a constante angústia que as famílias judias tinham de serem capturadas e fadadas ao seu tenebroso destino.
As cenas, meticulosamente arquitetadas, refletem bem o terror dessas famílias de viverem sob a clandestinidade em apartamentos sombrios e sob o silêncio imposto para não chamarem a atenção de seus algozes. Stella é um filme que também faz excelente uso das locações, historicamente recriadas em detalhes para espelharem a Berlim dos anos 40, bem como figurinos sofisticados que ajudam o elenco a contar a história.
O roteiro de “Stella – Vítima e Culpada” não faz juízo de valor sobre as ações de Stella e de outros companheiros que tornaram-se caçadores de judeus para os propósitos monstruosos da Alemanha nazista. Ao invés disso, desenvolve o enredo de forma que o próprio público faça esse exercício diante do complexo dilema moral que esses indivíduos enfrentaram. Em determinada cena, é possível ver a ojeriza de seus vizinhos judeus em relação às suas ações, materializada nas agressões e nos xingamentos que Stella recebia toda vez que se dirigia ao seu apartamento.
Os saltos temporais, apesar de muitas vezes parecerem abruptos, situam o público no tempo e espaço. Quando o filme se volta a apontar, nos anos 80, os impactos das ações dos nazistas e os 6 milhões de judeus mortos na máquina letal de Hitler, acompanhamos também os fantasmas que assombram Stella, já idosa, sob camadas de maquiagem extremamente realista para refletir seu envelhecimento — trabalho excepcional da maquiadora Christine Rose.
Apesar de “Stella” retratar um tópico doloroso e vergonhoso na história dos judeus durante o Holocausto, ainda assim nos relembra a crueldade e o horror inominável sofrido pelo povo judeu. Um importante alerta em meio às crescentes demonstrações de antissemitismo que pipocaram após o ataque do grupo terrorista Hamas a Israel no dia 7 de outubro de 2023.