“Rebel Ridge”: Longa de ação surpreende com reviravoltas, racismo estrutural e corrupção policial | 2024
A cena inicial de “Rebel Ridge”, novo filme de ação policial da Netflix, causa impacto: ao som do rock pesado do Iron Maiden, acompanhamos o ex-fuzileiro naval Terry com uma mochila nas costas, correndo numa bela bicicleta por uma estrada arborizada. Nada de suspeito, certo? Errado! Ele está sendo perseguido por policiais que o abordam violentamente somente pelo fato dele ser negro e carregar dinheiro com ele; essa cena acontece em Shelby Springs, cidade na Louisiana, estado americano sulista onde o racismo é bem maior do que nas demais localidades. Para esses policiais Terry é, de antemão, um provável criminoso e o dinheiro que ele transporta, proveniente do tráfico. A missão dele era bem simples: levar dinheiro para pagar a fiança de seu primo, que talvez tenha sido preso arbitrariamente; mas ao invés disso Terry tem a quantia confiscada injustamente. A partir daí, e com a ajuda inesperada da oficial de justiça Summer, ele tem que enfrentar o xerife Sandy e sua tropa de policiais truculentos e corruptos, se enveredando numa rede de violência e conspiração bem maior do que se supunha existir.
O longa não é mais um filme de ação genérico e sem cérebro com um tema frouxo para justificar as muitas correrias e pancadarias, como tantos que são produzidos todos os anos pela Netflix. O longa se destaca por delinear o perfil psicológico dos personagens, ir fundo nas críticas ao racismo e corrupção policial, e principalmente subverter as muitas boas expectativas geradas ao longo de ótimos 131 minutos.
A direção de Jeremy Saulnier (de “Sala Verde” e “Noite de Lobos”) é coesa e sem furos na narrativa, criada principalmente através da serenidade do protagonista Terry contraposta à violência e ódio desmedidos do delegado Sandy. A crítica às falhas do sistema legal americano é bem afiada e direta, causando uma ampla discussão sobre abuso de poder e sobre a vulnerabilidade em que se encontra o cidadão de bem. Ele nos entrega o convencional com competência e apuro técnico, com muitos tiros e perseguições; e uma ótima construção de tensão e clima claustrofóbico, com a desesperança prevalecendo à medida que o “mal” ameaça vencer o bem e a justiça.
O protagonista Terry ( interpretado com brilhantismo por Aaron Pierre, da série “The Underground Railroad”) sofre abuso atrás de abuso calado, com uma frieza que poucos teriam, talvez por ter sido vítima de muito preconceito racial ao longo da vida e aprendido a ter paciência para vencê-lo. Porém, essa postura pacífica não tira o seu lado heroico, ele tem seu próprio código moral, não mata ninguém e segue lutando contra a burocracia e contra o sistema corrompido. O seu antagonista, o odioso xerife Sandy Burnne (uma atuação marcante do ator Don Johnson, de “Miami Vice”) é cruel e ganancioso, ele não tem limites para continuar engordando indevidamente sua conta bancária e para destilar seu ódio contra quem quer que entre no seu caminho. Eles seguem se digladiando em cenas que expõem o extremo da arbitrariedade policial e marginalização, e que desembocam num final explosivo.
“Rebel Ridge” traz à tona uma gama imensa de emoções, um thriller poderoso em sua forma e em seu conteúdo, com toneladas de adrenalina e crítica precisa à corrupção sistêmica e ao preconceito racial que parecem não perder força por mais que o tempo passe.