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“Pisque Duas Vezes”: Zoe Kravitz faz sua estreia na direção com trama aflitiva de desconfortos e absurdos | 202

Tem alguma coisa de errado com este lugar

Uma das maiores e melhores surpresas de 2017 no cinema foi a estreia de Jordan Peele na direção de longa-metragens. Seu olhar crítico quanto aos distúrbios sociais se apresentou através de uma fábula de horrores inovadora, onde a genialidade do roteiro escrito por ele lhe rendeu seu primeiro Oscar. O maior triunfo de “Corra!”, no entanto, reside na tratativa ímpar aos discursos raciais e à objetificação de corpos negros, se fazendo uma parábola reflexiva quanto aos apuros, prováveis ou não, que afligem as camadas mais sensíveis da sociedade.

Pode-se dizer que o mesmo acontece – mas não do mesmo modo – em “Pisque Duas Vezes”, filme de estreia da talentosa atriz Zoe Kravitz no cargo de direção. O roteiro, também assinado por ela, denota paralelos de insegurança e constrói uma armadilha ao qual se torna quase impossível dispersar a atenção. Emulando o enclausuramento sufocante e quase claustrofóbico de algumas situações embaraçosas e/ou desconfortáveis, a diretora novata escolhe planos fechados para endossar o constrangimento antes de, por fim, trazer à tona a real ameaça e a sua proposta de debate tal qual Peele o fez sete anos antes.

À medida em que o tempo passa e a ilha se revela uma espécie de “meio de caminho” entre a alegoria e o literal, o contraste de classes apresentado desde o início ganha dimensões de horror, onde a tensão se espaça para as entrelinhas e surge uma dinâmica de caos entre as intenções dos personagens (um caos muito bem controlado e exibido pela diretora) e os conflitos que se põem a eles. “Pisque Duas Vezes” é uma grande brincadeira; uma brincadeira de gente grande, com cenas de teor intenso e até mesmo perturbador – mas ainda assim uma brincadeira: brincadeira com a perspectiva do público, com os conceitos pré estabelecidos, com as expectativas que são criadas. É uma surpresa e tanto, gratificante e incômoda quase na mesma medida, e inquietante de um jeito que tende a agradar em muito quem aprecia um bom cinema.

Kravitz se mostra tão promissora no exercício do novo cargo quanto Peele o fora na última década. É um trabalho e tanto o que ela faz em “Pisque Duas Vezes”, abraçando inspirações nos maiores mestres do suspense e reforçando seus legados para a nova geração de realizadores, e assumo minha completa curiosidade sobre qual será seu próximo passo ocupando a nova cadeira. Assistir “Pisque Duas Vezes” é testemunhar o debute de uma grande cineasta, podem apostar. O final tende a ser divisivo, e tão bom quanto o filme é a conversa que vem após a sessão. O bom cinema se faz no debate, e Kravitz se mostra desde já uma grande provocadora.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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