“Piano de Família”: Com grande elenco, adaptação de famosa peça de teatro emociona | 2024
Não importa a época, o local ou a classe social, não existe família que passe ilesa a brigas relacionadas a herança, bens ou dinheiro, trazendo à tona as piores emoções represadas e alterando a harmonia do lar. Em “Piano de Família” acompanhamos a família dos Charles no ano de 1936 e a desavença feroz entre os irmãos Boy Willie e Berniece, briga essa que começa por causa de um piano antigo de madeira com os rostos dos antepassados esculpidos. Boy Willie quer vender o piano para adquirir terras no Mississippi e com isso sua independência; já Berniece está irredutível e quer ficar com ele, pois o instrumento é o legado dos tempos de escravidão, ele representa o sofrimento e também a libertação.
Não é só o piano que é da família, esse é um longa fruto do trabalho dos Washingtons, provando que talento está no DNA. A produção é do Denzel e de sua filha Katia, que com “Piano de Família” dão continuidade as adaptações pro cinema das peças de August Wilson, que tem como antecessores o premiado “Fences: Um Limite Entre Nós” e “A Voz Suprema do Blues”. Mais dois dos seus filhos estão presentes: Malcolm Washington estreia no roteiro e na direção competente e ousada, visto ser um desafio levar uma peça de teatro pras telonas; ele tem futuro apesar de alguns tropeços na tentativa de misturar drama com sobrenatural e comédia. John David Washington, já conhecido do público por “Infiltrado na Klan” e “Tenet”, vive o protagonista Boy Willie de forma intensa, em alguns momentos exagerada, mas de acordo com o calor da situação. Pra completar a família, Pauletta e Olivia Washington, esposa e filha de Denzel, também aparecem em cena. O elenco fabuloso ainda tem Samuel L. Jackson, que vive o tio Doaker e se desvencilha da sua figura “tarantinesca”, mostrando o quanto é bom em papéis dramáticos. Danielle Deadwyler também entrega uma performance brilhante como Berniece, uma mulher empoderada e determinada, mas que também tem seu lado frágil. Berniece é o esteio emocional da casa.
Todos os personagens são deliciosamente verborrágicos e colocam pra fora suas mágoas e carências em falas viscerais muito bem escritas. Mergulhamos num tsunami de emoções e revelações que vem à tona, não dá tempo de respirar entre esses diálogos poderosos. O roteiro explora a cicatriz profunda da escravidão, que passa de geração em geração e é impossível ser ignorada; o racismo estrutural que talvez nunca deixe de existir, e a possibilidade de uma reparação histórica. Exceto pelas boas cenas de flashbacks que mostram o passado do piano e da família, toda trama é ambientada na antes pacata casa dos Charles; mas isso não diminui a alta tensão, que é mantida através das discussões acaloradas e da movimentação frenética de câmera.
“Piano de Família” é pura catarse familiar em forma de arte, uma reflexão sobre como lidar com um passado dolorido a fim de poder construir um presente e um futuro saudáveis.