“Os Observadores” : Horror e fantasia marcam os primeiros passos de Ishana Shyamalan no cinema | 2024
É comum que filhos sigam o caminho dos pais, seja por inspiração ou por conveniência, e no meio artístico não é diferente. Alguns alcançam fama e sucesso, como Sofia Coppola, que se provou uma grande realizadora. Outros, com menor visibilidade, também conseguiram um lugar ao sol: Sasha Spielberg é atriz e cineasta de projetos independentes; Jennifer Lynch dirigiu filmes como “Sob Controle” (2008) e “Encaixotando Helena” (1993); e Jake Scott dirigiu “Corações Perdidos” (2010) e é referência por seu trabalho em comerciais e videoclipes. Recentemente, Ishana Shyamalan, filha de M. Night Shyamalan, juntou-se a essa lista. Ela trabalhou como assistente de direção em “Tempo” (2021) e dirigiu episódios da série “Servant”, ambos produzidos por M. Night. Em “Os Observadores”, Ishana estreia na direção de longas, assinando também o roteiro e repetindo a parceria com seu pai na produção.
Na trama, acompanhamos Mina (Dakota Fanning), uma jovem aspirante a artista que se perde em uma vasta floresta em algum lugar remoto da Irlanda. Ao encontrar abrigo, ela se vê presa com três estranhos. Sob a constante vigilância de criaturas misteriosas que habitam a região, eles devem enfrentar seus maiores medos e lutar pela sobrevivência em um ambiente hostil e enigmático.
Se por um lado, entrar no meio artístico por vias familiares tenham suas facilidades, desvincular-se desse legado e criar um caminho próprio é um desafio à parte. Ishana, aparentemente, não busca essa separação, pois seu cinema reflete muitas características do trabalho de seu pai. Isso não é um problema em si; no entanto, essas semelhanças criam uma base comparativa desfavorável, já que seu trabalho é menos maduro, com menor apuro técnico e baixa coesão narrativa.
É importante destacar que a afirmativa de menor apuro técnico não implica necessariamente um trabalho ruim, mas sim uma inferioridade quando comparado. O longa começa de maneira instigante, apresentando a personagem Mina como a clássica figura da jovem introspectiva com um passado traumático. Em poucos minutos, entramos em contato com sua personalidade passiva-agressiva e um hábito incomum marcar encontros com desconhecidos fingindo ser outra pessoa. Esse comportamento introduz a ideia do “duplo”, um conceito que remete a um “outro eu”, uma segunda identidade ou uma representação duplicada de um personagem, frequentemente explorando temas de dualidade e conflito interno. Um conceito interessante e amplamente discutido na filosofia e literatura desde o século XIX, mas que aqui é esvaziado por um conteúdo verborrágico e excessivamente explicativo. No cinema, onde a imagem é a principal ferramenta, é lamentável que a construção e resolução do mistério dependam de diálogos artificiais, revelações convenientes e gravações de áudio e vídeo que ditam o que, como e onde fazer.
A escalação do elenco também decepciona. Por mais que Dakota Fanning seja uma atriz talentosa, a condução de sua personagem carrega uma contradição. Mina, que tem o hábito de se encontrar com outras pessoas, é retratada de maneira fria e distante, aproximando-a mais de uma figura casta do que de uma mulher cujos encontros furtivos servem para amenizar a dor. Além disso, o elenco de apoio carece de carisma e apresenta perfis desinteressantes, fazendo com que pouco nos importemos com situações de risco, muitas delas resultantes de atitudes completamente estúpidas.
Definitivamente, não foi um bom começo para Ishana. Porém, nem tudo está perdido. O filme tem elementos de fantasia bem atrativos e a atmosfera sombria da floresta demonstra um senso estético interessante, mesmo que por vezes seja tudo “limpinho” demais. Basta um pouco mais de refinamento no roteiro e uma melhor costura dos pontos que ligam o mistério ao tema. Em resumo, trata-se de uma cineasta com potencial, mas ainda imatura artisticamente. Nada que o tempo não resolva.