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“O Silêncio das Ostras”: um canto melancólico que denuncia a devastação ambiental e humana provocada por mineradoras | 2025

Os efeitos dos rompimentos das barragens Mariana e Brumadinho – ocorridos em 2015 e 2019, respectivamente – ainda são fortemente sentidos não só pela população dessas duas cidades, mas também por todas aqueles que foram afetados pelo rastro de contaminação provocado pelas toneladas de rejeitos que resultam das ações de duas gigantes da mineração: a Samarco e a Vale do Rio Doce. De lá para cá, alguns filmes como “Sociedade de Ferro – A Estrutura das Coisas” e “Lavra” (ambos lançados em 2021) tentam evidenciar o caráter criminoso dessas tragédias humanas e ambientais, como gritos cinematográficos que denunciam, entre outras aberrações, a morosidade da justiça na punição dos culpados. Além disso, já existe a confirmação de que Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”), em parceria com a Netflix, será mais uma voz potente nesse coro de realizadores que não querem permitir que os atos nefastos de empresas responsáveis por tantas mortes e destruição caiam no esquecimento.

Estreia do documentarista Marcos Pimentel na direção de longas de ficção, “O Silêncio das Ostras” nos situa num vilarejo que fica nos arredores de Brumadinho, cujas atividades giram integralmente em torno da ação extrativista, e fecha suas lentas na rotina de uma família que terá sua vida influenciada pela miséria resultante de uma lógica exploratória. No que se pode chamar de sua primeira parte, a narrativa nos apresenta Kaylane ainda criança (período no qual é interpretado por uma promissora Lavinia Castelari) e acompanhamos a sua percepção ainda ingênua e lúdica acerca dos acontecimentos que se desenrolam no seu entorno. A pobreza extrema em que vive parece ser minimamente diluída por seu olhar ainda atento ao que sobra de poético ao seu redor como na observação de vagalumes pela janela ou por seu fascínio pela enganosa beleza de um lago contaminado. Mas é a partir da fuga de sua mãe – com quem compartilhava essa veia sonhadora – que Kaylane vai pouco a pouco mergulhar na lama de um território que parece transformar tudo, inclusive pessoas, em detritos.

Mesmo não sendo tão jovem quanto a segunda fase de Kaylane exigiria, Barbara Colen assume o papel com muita propriedade e se mostra uma intérprete capaz de assimilar a inércia com a qual sua personagem, alguém que vai sendo abandonada pouco a pouco pelos irmãos no decorrer dos anos, encara o atraso perpétuo do vilarejo e se vê sem qualquer vislumbre de um novo destino. Tal apatia é sentida, inclusive, na maneira como Petrus Cariry, responsável pela cinematografia do projeto, constrói enquadramentos rigorosos e planos longos, com movimentos extremamente lentos, como se ele quisesse captar com suas lentes uma espécie de torpor que paira no ar, uma prostração típica de quem está sendo literalmente sugado por algum parasita. O que Pimentel parece querer escancarar, de forma bastante melancólica, é o fato de que a derrocada daquela região não começou com o colapso das barragens, mas sim desde o primeiro instante em que aquelas empresas se instalaram.

Com um ritmo arrastado em excesso, “O Silêncio das Ostras” é mais uma obra a expor o quanto as mineradoras são capazes de extrair na mesma medida as riquezas do solo e a dignidade de quem pisa sobre ele. Embora guarde poucos minutos para exibir as consequências do desastre e tente compilar muitas denúncias nesse período, a história de Kaylane, de modo geral, pode ser encarada como a de muitas pessoas reais cujas vidas foram varridas do mapa por conta dos efeitos da fome desmedida de um setor que segue agindo sem qualquer escrúpulo. E como bem lembra a letra de “Eva”, canção que aqui recupera seu caráter de alerta, o sol pode não aparecer, como não apareceu para as vítimas soterradas pela lama da ganância, e, numa ampliação apocalíptica, o fim da aventura humana na Terra – tanto para operários quanto para bilionários – pode realmente ser no espaço de um instante.

 

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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