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“O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim” : Ampliação do universo de Tolkien usa nova abordagem para trabalhar as velhas histórias | 2024

O senhor não tem toda lealdade que pensa que tem

O uso do adjetivo “fantástico” raramente faz justiça àquilo que se refere. Existe o gênero fantasia, onde mitologias são criadas e expandidas, mas mesmo muitas delas carecem de méritos para serem dignas do adjetivo oriundo do rótulo ao qual pertencem. Contudo, tal definição se encaixa como uma luva ao feito singular que as obras de Tolkien conseguiram alcançar. A vastidão do universo que criou envelheceu como vinho, e ganhou uma notoriedade ainda maior pelas mãos de Peter Jackson na premiada trilogia que se lançou aos cinemas mais de vinte anos atrás. E agora, reinventando a si mesma e voltando às origens de suas adaptações audiovisuais, eis que a saga ressurge com uma nova animação para expressar os percalços enfrentados na Terra Média.

A trama da vez adapta não um ou três livros, mas sim algumas poucas páginas de O Silmarillion. Permite-se aqui uma liberdade artística para encrementar as lacunas que se permitem serem preenchidas, e nisso o trabalho dos roteiristas se vale. Confesso, no entanto, não ter apreciado tanto algumas escolhas e atalhos de tal escrita na minha primeira visita ao filme; só o apreciei e o reconheci como uma obra tolkieniana quando o revisitei alguns dias depois. Arrisco afirmar que, talvez, o distanciamento com o contexto do Um Anel cause a impressão de que há sobras na narrativa e amarrações descabidas para alongar uma jornada que poderia ser mais simples; mas não se deixe enganar, cada minuto tem seu valor e um propósito a ser explorado.

Conhecemos aqui Héra, filha de Helm, que se mostra uma figura destemida e almejada para união de famílias através de casamentos arranjados. Ela se vê no centro de um embate que não criou, mas que cabe a ela finalizar. Cada escolha gera consequências, tanto por parte dela quanto de seu pai e seus irmãos. Wulf, o grande vilão do filme, é um antagonista movido pela crueza da vingança. De certo modo, o enredo se faz maniqueísta e simplifica as relações para tornar tudo mais objetivo. Helm Mão de Martelo, que dá nome ao Abismo de Helm visto em “As Duas Torres”, é uma presença fortíssima em cena e toma o protagonismo para si em alguns momentos oportunos. No geral, o roteiro é equilibrado e, embora diversos elementos mais se aproximem de “Game of Thrones” do que dos filmes consagrados de “O Senhor dos Anéis”, cumpre com louvores o seu objetivo.

A direção é do japonês Kenji Kamiyama, mas a produção permanece nos arredores de Jackson e os nomes que se ergueram junto ao dele. A adoção do estilo de anime é interessante, contudo não consegue se justificar para além de um capricho estético que beira a gratuidade. O trabalho visual é de uma composição belíssima, porém destoante dentro de si mesmo. A fluidez “engessada” dos animes se faz presente nos personagens, mas não tanto no entorno deles. Héra, a protagonista, abre uma porta em uma das cenas – e a porta se movimenta com um 3D confundível a um live-action. Os filmes do Aranhaverso possuem uma justificativa plausível para a mescla de estilos animados, mas no caso de “A Guerra dos Rohirrim” esse diálogo entre os estilos não é bem articulado, e causa mais estranhamento do que apreciação.

O saldo final de “A Guerra dos Rohirrim” é positivo, mas aquém do esperado. Quando soube do seu anúncio, mais de um ano antes da tão esperada estreia, fiquei convencido de que seria a grande animação do ano a ser premiada. No meio do caminho surgiu “Robô Selvagem”, se colocando como um obstáculo maior do que o já bem estabelecido “Divertida Mente 2”. Ainda assim, é um filme que agrega valor ao legado de Tolkien e mantém viva a franquia no mercado cinematográfico. Claro, nem tudo é perfeito; a tal guerra prometida, por vezes, parece ser apenas uma picuinha provinciana, e a violência é quase sempre apenas sugerida. Apesar de alguns pesares, vale a pena assistir no cinema. O povo da Terra Média ainda tem algumas canções para cantar.

 

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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