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“O Conde de Monte Cristo”: Nova adaptação imprime dinamismo ao clássico de Alexandre Dumas | 2024

Festival Varilux

Escrito por Alexandre Dumas e publicado originalmente em 1844, “O Conde de Monte Cristo” acumulou diversas adaptações para o cinema ao longo dos anos, com o primeiro longa-metragem registrado em 1918. Ao todo, a obra já inspirou quase 30 produções em diferentes épocas, o que não é surpreendente, dado o apelo universal de seus temas centrais: vingança e justiça. A trama oferece não apenas um enredo irresistível, mas também cenários deslumbrantes, personagens ricos e dilemas morais que atravessam gerações.

Sob a direção de Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte, e após uma estreia de destaque no Festival de Cannes 2024, a nova adaptação de “O Conde de Monte Cristo” chega às telas, apresentando uma abordagem que, desafiando as expectativas geralmente associadas a clássicos, traduz com fluidez o texto original. A narrativa mantém o público cativado mesmo com suas três horas de duração, conduzindo-o por intrincadas tramas políticas e sequências que evocam as melhores aventuras literárias e cinematográficas. Assim como no romance, com suas mais de mil páginas, o tempo e as cenas passam de forma envolvente, sem que se perceba o peso de sua duração.

A trama se passa na França do início do século XIX, e acompanhamos Edmond Dantès (Pierre Niney), um jovem marinheiro promissor, que tem sua vida destruída por uma conspiração tramada por três homens movidos pela inveja e ambição. Acusado injustamente de traição, ele é enviado para prisão, onde passa anos planejando sua vingança. Após uma fuga ousada, Dantès descobre um vasto tesouro escondido e assume a identidade do enigmático Conde de Monte Cristo. Determinado a se vingar de seus inimigos e recompensar os que lhe foram leais, ele mergulha em um elaborado jogo de manipulação, enfrentando dilemas morais e as consequências de suas ações em uma narrativa épica.

Dentre as inúmeras escolhas que um roteiro adaptado precisa enfrentar, uma das mais desafiadoras é a simplificação narrativa. Engana-se quem acredita que tornar eventos mais acessíveis seja uma tarefa simples. O cinema, diferente da literatura, exige soluções visuais que traduzam, de maneira eficiente, situações que, por mais detalhadas que sejam no texto original, não possuem uma concepção universal. Mesmo ilustrações da época, quando existem, estão longe de serem definitivas – o primeiro desenho de Frankenstein, por exemplo, guarda pouca semelhança com a icônica criatura imortalizada pelo filme de 1931.

Com isso em mente, a nova versão de “O Conde de Monte Cristo” opta por um ritmo dinâmico e um foco acentuado nas ações dos personagens, muitas vezes deixando de lado longas sequências de diálogos mais eloquentes. Um exemplo marcante dessa escolha é o período em que o protagonista, Edmond Dantès, permanece preso. Enquanto no livro, em edições comuns, esse trecho ocupa entre 150 e 200 páginas – descrevendo detalhadamente sua convivência com o abade Faria e os anos de planejamento para a fuga –, no filme, essa passagem é condensada e representa menos de um terço da trama.

Contudo, embora a reconstrução de época seja riquíssima e a introdução à icônica história de Alexandre Dumas seja visualmente encantadora, a escolha pelo dinamismo sacrifica, em certa medida, os conflitos morais que poderiam ser mais bem explorados. No romance, após sua transformação no Conde de Monte Cristo, Edmond é um personagem envolto em ambiguidades, dividindo-se entre o papel de agente da justiça divina e os ressentimentos pessoais que impulsionam suas ações. No filme, essa complexidade é deixada de lado, principalmente esse aspecto mais voltado ao divino. Já os vilões são retratados de maneira quase caricatural, com expressões e trejeitos que, embora facilitem sua identificação, acabam diminuindo a profundidade de suas motivações.

Outro exemplo dessa simplificação está na exclusão de tramas paralelas. O plano de vingança de Edmond afeta não apenas seus inimigos diretos, mas também suas famílias e outros inocentes. A ruína financeira de Danglars e suas consequências para seus entes queridos ou a queda de Villefort e o impacto sobre aqueles que dependiam dele são explorados detalhadamente no romance. Essas camadas secundárias, que poderiam dar mais peso à narrativa, estão ausentes na adaptação.

Por fim, no livro, à medida que a história avança, Edmond é forçado a confrontar sua humanidade e questionar se sua busca por vingança o tornou tão cruel quanto aqueles que o traíram. Sua redenção e a busca por um propósito maior que a vingança se tornam centrais no desfecho da obra. No filme, no entanto, essa jornada interna é relegada a segundo plano, e o confronto com sua moralidade nunca chega a ser aprofundado.

Feitas essas ressalvas, “O Conde de Monte Cristo” cumpre com excelência o papel de introduzir a história a um público mais amplo, oferecendo o espetáculo visual que a obra merece. Algumas sutilezas, ausentes nesta versão, permanecem presentes no romance original ou até mesmo em adaptações anteriores, mas isso não diminui a relevância da nova produção. Com uma abordagem conectada aos novos tempos, o filme possui o mérito de reacender o interesse pela obra, com o potencial de atrair novos leitores para este clássico que marcou a literatura mundial.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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