“O Clube das Mulheres de Negócios” : Anna Muylaert expõe os estereótipos da exótica fauna abastada brasileira | 2024
Há quase dez anos, em meio ao turbilhão político que já prenunciava riscos atualmente evidentes, “Que Horas Ela Volta?” se tornou uma obra emblemática justamente por colocar na tela algumas das questões centrais para se tentar compreender uma sociedade erguida sobre os pilares de uma desigualdade propositalmente perpetuada: as relações entre patrões e empregados. Agora, após a consolidação da imagem de uma elite ao mesmo tempo raivosa e caricata, a diretora Anna Muylaert deixa de lado a sobriedade irônica presente no ótimo longa estrelado por Regina Casé para enveredar pelos caminhos da sátira rasgada em “O Clube das Mulheres de Negócios”.
Como numa espécie de “O Anjo Exterminador” à brasileira, o roteiro escrito pela própria Muylaert propõe a reunião de figuras que compõe a exótica fauna dos endinheirados de nosso país, só que através de suas representações femininas. A partir do encontro marcado no resort-sede do tal clube pela líder com nome de general romano vivida por Cristina Pereira e com a chegada de dois jornalistas ao local, a trama vai arremessar o espectador em situações que, em tese, teriam o intuito de compor uma crítica ácida através da exposição do ridículo em seus personagens.
Seguindo a onda recente de heterotopias desconstruídas que vêm surgindo no cinema recente – que têm, por exemplo, em “O Lagosta”, “Triângulo da Tristeza” e “Clube Zero” alguns reconhecidos destaques –, “O Clube das Mulheres de Negócios” sobrepõe os estereótipos dos membros das castas abastadas brasileiras e suas atitudes, que formam uma gama de clichês comportamentais e discursivos pautados numa crença de superioridade e impunidade. Assédio sexual, racismo, culto ao armamentismo, corrupção política e de líderes religiosos são apenas algumas das carniças fétidas das quais se alimentam as bestas sem qualquer senso moral exibidos no zoológico a céu aberto criado pela realizadora de “Durval Discos”.
No entanto, o que poderia render um escracho ferino com toques surrealistas aos donos do poder midiático e financeiro, esbarra na mais profunda e tediosa obviedade. Dos enquadramentos aos diálogos, passando por figurinos e atuações, a superficialidade com que tudo é realizado grita tão alto que se torna praticamente impossível não ter a sensação de se estar (sobretudo quando as máscaras de civilidade caem) diante uma espécie de Yorgos Lanthimos da Havan: “Viva o passado!”, brada uma das sócias, num dos momentos menos inspirados do texto. Se a intenção era rir da cafonice de uma caracterização à la novela mexicana de certos seres abissais que compactuam com ideias fascistas, Anna deveria ter se preocupado em ser um pouco mais inventiva na concepção das cenas para que a narrativa não se contaminasse com o mesmo vazio daqueles em que mira. Aliás, um pouco de coerência também seria muito bem-vindo, já que soa no mínimo estranho ver o nepotismo sendo apontado como uma prática condenável em certa passagem e, na sequência, observar familiares da diretora atuando em postos de maior ou menor relevância dentro do projeto.
Didático ao extremo e dono de um dos finais mais expositivos dos últimos anos, “O Clube das Mulheres de Negócio” dissolve no champanhe servido em sua ilha de caras harmonizadas a pretensa esperteza com a qual “desenvolve” um enredo monótono e, com isso, acaba por desperdiçar atrizes da envergadura de Irene Ravache e Helena Albegaria. Fica perceptível, então, que Anna Muylaert é mais hábil lidando com uma humanidade palpável e sem afetações (como foi visto no já citado “Que Horas Ela Volta?” e no pouco falado “Mãe Só Há Uma”) do que gerenciando tipos histriônicos numa sátira em que onças criadas em CGI metaforizando o poder devorador do dinheiro (sério?!) representam o menor dos problemas.