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“Não Fale o Mal”: Terror segue a estrutura do original, mas oferece um olhar distinto e desfecho alternativo | 2024

As refilmagens têm se tornado uma prática recorrente, especialmente em Hollywood. A decisão de refilmar “Speak No Evil”, um filme de terror dinamarquês de 2022 que obteve uma recepção de crítica e público apenas mediana, causou surpresa pelo curto intervalo entre as produções. O original contém aspectos que permitem novas leituras, especialmente no que se refere ao confronto cultural. De um lado, os dinamarqueses valorizam o hygge, uma filosofia de vida focada no bem-estar e em ambientes acolhedores; do outro, os holandeses, com sua franqueza e pragmatismo, podem ser percebidos como ásperos por sociedades mais reservadas. Esse choque de valores culturais intensifica a trama, criando uma tensão que possibilita decisões que, em outros contextos, seriam vistas como contraditórias. Daí surge o primeiro (de muitos) problema na nova versão, ao optar por diluir essa crítica social, essencial para o desenvolvimento da história original. Ao esvaziar esses conflitos de sentido, o filme se transforma em um suspense previsível, além de um drama superficial, perdendo a densidade que tornava a trajetória dos personagens não só envolvente, como plausível.

Na trama, acompanhamos Ben (Scoot McNairy), Louise (Mackenzie Davis) e Agnès (Alix West Lefler), uma família que, após conhecer o casal Paddy (James McAvoy) e Ciara (Aisling Franciosi) durante as férias, aceita um convite para passar o fim de semana na casa de campo dos novos amigos. O cenário, inicialmente acolhedor, promete um refúgio tranquilo, mas rapidamente se transforma em um pesadelo. Presos em um jogo sinistro cujas regras lhes são desconhecidas, os visitantes se veem sem escapatória, enquanto a tensão crescente os empurra para um terror cada vez mais sufocante.

É verdade que profundidade e complexidade não garantem mérito por si só, nem mesmo na arte. O simples e o hermético partem de origens distintas, e tanto descomplicar o complexo quanto complicar o simples são tarefas arriscadas, mas possíveis. Para quem assistiu ao original de 2022, a principal novidade da refilmagem reside nos 40 minutos finais, quando o filme ganha certa autonomia e segue seu próprio rumo. No entanto, para esses espectadores já familiarizados com a versão anterior, essa é a única boa notícia. Até o ponto de virada, a narrativa permanece totalmente derivada do original, o que resulta em uma desconexão. Talvez essa abordagem funcionasse em outro tipo de projeto, cuja base fosse mais convencional, mas aqui, como já mencionado, o contexto exige uma construção mais sólida para que o clímax funcione.

No terço final, Não Fale o Mal acaba se transformando em uma comédia involuntária, com personagens que mais parecem caricaturas de seres humanos. James McAvoy, por exemplo, adota um comportamento insano que lembra muito seu papel em “Fragmentado”, embora essas tramas sejam completamente distintas. Ben, por sua vez, encarna o arquétipo do homem inseguro, cujos fracassos profissionais e conjugais resultam em uma passividade diante das situações absurdas ao seu redor. Mesmo com essa construção, sua atuação acaba sendo exagerada, reduzindo o personagem ao ridículo.

Em 2004, Zack Snyder refilmou um dos maiores clássicos do cinema de horror, “Madrugada dos Mortos”, uma nova versão de “Dawn of the Dead” (1978), dirigido pelo pai do zumbi moderno, George Romero. Snyder eliminou a crítica social presente no clássico dos anos 70 e entregou uma verdadeira montanha-russa de sangue e vísceras. À primeira vista, esse exemplo parece contradizer o que foi discutido até aqui, mas, na verdade, reforça o ponto. A simplificação é viável, e o puro entretenimento pode ser eficaz, como ocorre em “Madrugada dos Mortos”. A diferença está no contexto: Romero usava metáforas, e a figura do zumbi, ao longo dos anos, adquiriu múltiplas interpretações, já incorporada à cultura popular, permitindo seu uso sem uma justificativa aparente. Esse mesmo raciocínio não se aplica a obras que buscam um realismo mais próximo ou ressignificações tão recentes. Afinal, apenas dois anos separam as duas versões de “Não Fale o Mal”. Em resumo, o filme tinha potencial para uma nova perspectiva, mas essa releitura chegou cedo demais.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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