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“Monsieur Aznavour”: longa retrata com elegância a trajetória de ícone da música francesa, desde as origens até a consagração | 2025

Alguns artistas parecem carregar o peso de um século nas costas. Vêm de famílias errantes, atravessam a fome, o desprezo, a guerra e ainda assim, cantam. Charles Aznavour foi um desses. De voz rouca, rosto pequeno, um corpo desalinhado com a imagem tradicional de astro, mas que aprendeu a ocupar o centro da cena com convicção.

“Monsieur Aznavour” não escolhe um recorte, não isola um momento, não parte de um trauma nem de uma epifania. Prefere seguir tudo de uma vez. Da infância nos cafés armênios de Paris até a consagração mundial, cada etapa encontra seu lugar. Uma escolha corajosa e ousada, mas que cobra um preço. A narrativa avança como um álbum folheado com pressa. A vida se fragmenta em quadros breves, os conflitos mal se instalam. Ainda assim, esse movimento contínuo confere ao filme um certo ritmo. Para quem pouco ou nada conhece Aznavour, interpretado magistralmente por Tahar Rahim, essa sucessão de acontecimentos tem algo de revelador, como quem descobre aos poucos uma figura que o mundo já dava por conhecida.

Um aspecto inventivo da narrativa é que apesar de Aznavour se mostrar um compositor nato, o protagonista é retratado como alguém que observa, escuta, aprende, insiste. Rejeitado por agentes, ridicularizado por críticos, ignorado por plateias. Ainda assim, segue. Escreve obsessivamente, treina e repete o processo quantas vezes for necessário. A disciplina e a determinação ocupam o centro.

Entre um salto cronológico e outro surgem os vínculos. A mãe, o pai, a irmã, os filhos, as mulheres. Todos aparecem, mas quase sempre de passagem. As relações mais íntimas ficam na superfície. Aznavour cuida, mas à distância. Recompensa, mas nunca se entrega. Mesmo os diálogos com os pais raramente escapam do agradecimento ou da formalidade. É como se o afeto fosse administrado com a mesma lógica da carreira. Estratégico, eficiente, sem desvio. O filme tenta equilibrar esse afastamento revelando as falhas do artista. O marido ausente, o pai disperso. Mas tudo passa rápido demais.

Entre os poucos vínculos que ganham destaque, dois se destacam. Pierre Roche (Bastien Bouillon), parceiro dos primeiros anos, funciona como inspiração e apoio. Existe entre eles uma cumplicidade sólida e sem afetação. Edith Piaf (Marie-Julie Baup), por sua vez, entra em cena como presença fulminante. Dá conselhos, oferece palco, impõe respeito. Uma figura de força crua, ambígua, capaz de acolher e ferir na mesma frase.

O filme não decifra Aznavour nem tenta suavizá-lo. E isso basta. Algumas trajetórias não pedem explicação, apenas continuidade. Como uma melodia que parece simples, mas cuja origem permanece imprecisa. Assim foi Aznavour.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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