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“Madame Teia”: Filme de S. J. Clarkson faz do cafona sua maior fonte de entretenimento | 2024

Mas tá parecendo um sequestro

Depois que Jon Favreau conseguiu, em 2008, transformar um personagem B (ou até mesmo C) da linha editorial da Marvel Comics em um ícone popular relevante e com renome, parece ter se tornado o sonho de todo e qualquer cineasta que ingressa o cinema de super-heróis alcançar um feito similar e trazer personagens da segunda divisão para os holofotes e transformá-los em figuras igualmente permanentes no universo cultural moderno. Estou falando, é claro, do Homem de Ferro, que era um personagem descredibilizado mas que, graças à visão do excelente cineasta que Favreau é, se tornou um símbolo mundialmente reconhecido e um fenômeno dentro da indústria.

Ocorre que, por mais que se queira ou tente, dificilmente alguém conseguirá fazer algo similar. James Wan chegou perto com o primeiro “Aquaman”, transformando a piada pronta que o personagem era em um figurão marrento e simpático na pele de Jason Momoa – só que o fez para um lado oposto ao do personagem eternizado por Robert Downey Jr. no início do MCU. Agora, quase duas décadas depois da ascensão do universo Marvel, “Madame Teia” surge nos cinemas se esforçando para transformar mais um personagem da segunda divisão dos quadrinhos em alguém relevante e atraente, mas errando naquilo que é o maior poder de sua protagonista: a previsão do futuro.

O filme, dirigido por S. J. Clarkson, trata clarividência e precognição em seu roteiro mas esquece de aplicar os mesmos preceitos para o mundo real, onde o filme é exibido, e não esconde a predileção a se tornar um filme do início dos anos 2000 não só em sua trama ou sua estética, mas também (e principalmente) em seu estilo narrativo. O resultado é um nível de canastrice comparável a “Demolidor” e “Elektra”, do falecido universo Marvel/Fox, lançados em 2003 e 2005, respectivamente. Com isso, “Madame Teia” parece deslocado no tempo, como se tivesse sido lançado com duas décadas de atraso, e mesmo que essa linha tenha sido proposital, o resultado não funcionou tão bem quanto deveria.

O roteiro de “Madame Teia” é demasiadamente artificial e um tanto quanto canalha, tomando atalhos descarados e forjando a extensão de uma problemática facilmente resolutiva só para que se tenha um filme que ninguém pediu para existir. Contudo, o filme existe e, embora não seja um bom filme, também não deve ser categorizado como inassistível. Particularmente não considero um filme ruim, uma vez que ele não é nada além daquilo que se propõe a ser (e que é vendido como tal), mas devo assumir seu caráter ordinário e pouco inspirado.

Olhando para os traços mais marcantes (ou menos indiferentes) que o filme lançou sobre mim, concluo que a produção é enrustidamente cafona – isto é, possui uma breguice notável mas reluta em se assumir como tal. Frases de efeito, diálogos expositivos, conveniências forjadas ao bel prazer dos idealizadores e a combinação conflitante de fotografia pseudo-vertiginosa com a edição picotada terminam por reduzir uma trama até promissora a uma galhofa risível que acredita veementemente estar emocionando como um épico arrancador de lágrimas.

O filme é uma versão genérica e não sangrenta da franquia “Premonição” – que inclusive aqui ganha um aceno escancarado ao segundo filme, que também é de 2003 (ano em que a história de “Madame Teia” se passa), ao mostrar um caminhão carregado com troncos de árvores. Apesar dos pesares, o filme não ofendeu meu intelecto e nem tampouco me levou a arrependimentos pelo tempo investido; só não me cativou o suficiente para almejar revisitá-lo na telona ou torcer por uma promessa de continuidade.

Tem uma cena que parafraseia de forma inversa a máxima do Tio Ben, que diz: “Quando assumir a responsabilidade, grandes poderes virão”. O filme assume uma responsabilidade enorme ao trabalhar a “origem” de personagens queridos do universo do Teioso, mas esquece de aguardar os grandes poderes que viriam com isso e se atropela na própria ânsia de ser diferentão ou icônico como foi “Homem de Ferro”. Uma pena, lamento eu, pois o elenco é fantástico e as atrizes pareceram bem compromissadas com seus papéis. Segue a vida, mas não “Madame Teia” – a menos que o dinheiro das bilheterias consiga falar mais alto do que as críticas negativas.

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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