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“Lubo”: Em tempos de fascismo em alta, longa suíço expõe doloroso capítulo de violência contra minorias | 2024

Os judeus são, com justiça, reconhecidos como as principais vítimas do regime nazista, mas outros grupos também foram alvos de perseguição, como os povos nômades, popularmente conhecidos como ciganos. Embora os horrores dos campos de concentração sejam a imagem mais lembrada dessa brutalidade, o filme “Lubo” destaca uma forma menos conhecida de violência sistemática: o programa suíço “Kinder der Landstrasse” (“Crianças da Estrada”). Esse programa, focado nos jeniches, tinha como objetivo erradicar sua identidade cultural, separando crianças de suas famílias e submetendo-as a uma “reeducação” forçada, em uma tentativa de apagar suas raízes e tradições.

A trama tem início nos últimos anos da década de 1930, em uma Europa assombrada pela ascensão de uma Alemanha cada vez mais ameaçadora. A guerra parecia inevitável. Nesse cenário, acompanhamos Lubo Moser (Franz Rogowski), um jovem artista de rua de origem jeniche, cuja vida sofre uma reviravolta trágica. Enquanto cumpre o serviço militar obrigatório, longe de sua família, Lubo recebe a notícia de que uma ação brutal das autoridades levou à morte de sua esposa e ao sequestro de seus filhos. Devastado, ele embarca em uma dolorosa e desesperada jornada para reencontrá-los, movido pela esperança e pelo desejo de justiça.

O filme não se propõe a ser um registro histórico, tampouco adota uma abordagem documental. Apesar de narrar fatos pouco conhecidos, o longa não demonstra interesse em contextualizar os eventos de forma detalhada, optando por acompanhar de maneira simplória a trajetória de Lubo. A atuação de Franz Rogowski, um ator já consagrado na Europa, corresponde às exigências pouco ambiciosas da direção. Isso fica evidente quando, como parte do plano para reencontrar os filhos, o personagem adota um novo nome, o que poderia sugerir uma perda ou, ao menos, um conflito de identidade. No entanto, o filme não explora esses aspectos psicológicos mais profundos, limitando-se a uma abordagem superficial e apenas factual. Não há caminho de fora para dentro, apenas de dentro para fora.

A narrativa sofre uma virada drástica após a primeira metade, com um salto temporal que fragmenta ainda mais o enredo. O que já enfrentava dificuldades em manter a coerência se dispersa, transformando a hora e meia que acabamos de assistir em uma longa introdução. A sensação é de estarmos diante de um spin-off, uma história derivada que mal lembra o que vínhamos acompanhando até então. No último ato, o filme tenta resgatar a premissa inicial, mas, após tanto tempo e na tentativa de ampliar o escopo com novos arcos narrativos, o impacto já não é o mesmo.

Por outro lado, o filme tem momentos interessantes e potencialmente reflexivos, como na conversa entre Lubo e uma simpática suíça com quem mantém uma relação próxima. A mulher, que já havia demonstrado desconfiança em relação à ascensão de Hitler e repudiado os ataques antissemitas, revela com naturalidade seu apoio a práticas como a esterilização de povos considerados “indesejados”. Isso expõe uma contradição marcante: enquanto alguns manifestam abertamente o fascismo, saudando o líder nazista com o braço erguido, há uma parcela da população “fascistizada” que, sem perceber, reproduz a ideologia que acabaram de condenar. Soa familiar, não?

É curioso notar como, atualmente, grupos de extrema-direita se posicionam como defensores da infância, com promessas populistas e vazias, enquanto regimes autoritários do passado, com orientações semelhantes, praticaram sistematicamente o sequestro e tráfico de crianças. Na Espanha franquista, por exemplo, estima-se que dezenas de milhares de crianças foram arrancadas de suas famílias e entregues a lares leais ao regime. Da mesma forma, em Portugal, sob a ditadura de Salazar, crianças de famílias consideradas “subversivas” eram institucionalizadas e separadas de seus pais. Na América Latina, o Chile de Pinochet recorreu ao sequestro de filhos de prisioneiros políticos como uma forma cruel de punir opositores e enfraquecer a resistência. “Lubo” expõe mais um capítulo sombrio dessa história, mostrando como regimes que se auto proclamavam guardiões dos valores familiares, na verdade, manipularam e devastaram tudo o que esses valores verdadeiramente representam.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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