⚠️ VEJA OUTRAS CRITICAS DO PAPO EM NOSSO ACERVO (SITE ANTIGO).

ACESSAR SITE ANTIGO
PitacO do PapO

“Limonov: O Camaleão Russo”: longa retrata vida polêmica de ídolo underground russo que criou problemas para o Partido Comunista Soviético | 2025

Eduard Limonov foi uma daquelas figuras que ganharam fama mundial por causa da vida extraordinária que levou e da persona provocadora e rebelde que era. Poeta, romancista, jornalista, agitador incendiário e, no final da vida, político, seu comportamento transgressor incomodou até mesmo a alta burocracia do Partido Comunista Soviético, que viu nele uma ameaça e o mandou para a uma prisão na Sibéria. Após uma temporada no inferno gelado, Limonov foi banido da Rússia pelo partido e enviado para o ocidente. Perambulou entre Nova York e Paris, onde passou por experiências intensas.

“Limonov: O Camaleão Russo”, é o mais novo filme do diretor Kirill Serebrennikov. A cena underground russa já havia sido retratada pelo diretor em “Verão” (2018), filme que lança um olhar sobre o rock, que no verão de 1981, chegava à Rússia Soviética, mais precisamente em Leningrado. Seu interesse por figuras marginais serve de contraponto ao autoritarismo imposto pelo regime da foice e do martelo, sempre castrador da liberdade.

No longa, acompanhamos a trajetória de Limonov ainda nos anos 60, em Kharkiv, na Ucrânia, sua terra natal, quando ele era aspirante a poeta e participava de saraus de poesia nas casas de artistas em início de carreira. A autoconfiança de Limonov era vista por seus pares como arrogância; seus poemas viscerais, criticando a rotina alienante dos trabalhadores das fábricas e o artificialismo da elite que comandava o partido era um manifesto de traição à causa comunista, dito em palavras fortes que não poupava ninguém, nem mesmo seus colegas do mundo cultural.

Desde o início filmado em tom documental, a fotografia do filme é um personagem a parte. Enquanto Limonov ainda vivia na Ucrânia, o formato das imagens faz lembrar os de uma câmera super 8; o aspecto caseiro, com cortes secos, emulando a personalidade inquieta do protagonista, é uma escolha estética interessante. Já o período passado em Nova York, parece que estamos assistindo a um filme da Nova Hollywood. Com uma paleta de cores puxando para o sépia, em locações que reproduzem, com riqueza de detalhes, a Nova York dos anos 70, e a câmera passeando pelas ruas sujas e degradadas da Big Apple, não escondem a influência de filmes como “Taxi Driver” e “Operação França”. Vale também destacar os planos sequências usados com maestria, que criam, de fato, uma sensação de realismo e nos transferem para dentro da persona perturbada de nosso anti-herói.

Além dos aspectos técnicos, não se pode deixar passar em branco o excelente trabalho de Ben Wishaw. O ator britânico está simplesmente soberbo. Entregando uma atuação intensa, Wishaw capturou a alma e a personalidade caótica de Limonov. Atuar numa chave elevada exige vigor físico e psicológico. Isso não é fácil de fazer, mas Wishaw faz, e faz muito bem.

Limonov foi uma figura única. De ídolo underground soviético a um dos líderes mais carismáticos do partido Bolchevique, o poeta incendiário também trabalhou como mordomo para um milionário de Nova York e viveu em condições precárias. Em Paris ganhou fama e provocou confusões como escritor. Entre Moscou, Nova York e Paris, a trajetória polêmica de Limonov confunde-se com um Século XX marcado por ebulição política, social e cultural. Nessa cinebiografia, encontramos um artista radical e imprevisível, que não pensou duas vezes viver de excessos, buscando incessantemente o sentido da vida. Nada afeito a rótulos, o camaleão russo pulsa a energia, as contradições e os desafios de seu tempo.

Vitor Pádua

Advogado que expia o juridiquês com a paixão pela fotografia e pelo cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo