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“Inverno em Paris”: Coming of age ambienta luto e amadurecimento em cenário paradoxal | 2024

Logo na primeira cena de “Inverno em Paris” vemos pela perspectiva do interior de um carro uma cruz na beira de uma estrada. Este símbolo imagético, que obviamente aponta para uma tragédia, antecipa para o espectador elementos que traduzem o maior dilema trazido pelo novo projeto assinado por Christophe Honoré.  Nos minutos que sucedem esse vislumbre, acompanhamos um pouco da rotina do jovem Lucas (Paul Kircher) na companhia de sua família, sobretudo ao lado do pai Claude (encarnado pelo próprio Honoré), até que este faleça num acidente de carro, o que desencadeará no rapaz uma torrente de dúvidas e angústias (terá sido suicídio?) que terão a capital francesa como destino propenso à mitigação da dor.

Após o estabelecimento do drama vivido pelo protagonista, passamos a acompanhar o seu dia a dia em Paris, onde o irmão mais velho Quentin (Vincent Lacoste), um postulante a artista plástico, vive com o amigo Lilio (Erwan Kepoa Falé) num pequeno apartamento. A princípio, a oportunidade de aproximação com o familiar e o encantamento com a Cidade Luz amenizam em certa medida o sofrimento de Lucas; contudo, não tarda até que as lembranças do pai e até uma boa dose de culpa voltem a atormentá-lo.

Honoré parte de um tom confessional ao colocar, desde os primeiros instantes, Lucas como espécie de narrador que participa de uma sessão de terapia, com sua fala exposta tal qual um depoimento sendo inserida em flashes no decorrer da trama. Em contrapartida – o que, inclusive, acaba soando estranho –, o diretor opta por uma abordagem mais seca ao construir um protagonista dentro de um verdadeiro turbilhão emocional. Afinal, trata-se de um rapaz gay do interior, deixando a adolescência para trás numa das maiores metrópoles da Europa, diante da pancada mais dura que a vida lhe deu até então.

Só que, na maior parte do tempo, “Inverno em Paris” se pretende distante, como se quisesse que a melancolia jamais fosse sobreposta por qualquer traço melodramático ou até mesmo impedir que o estado de espírito de Lucas “contaminasse” a suposta sobriedade que acusa almejar. Assim, Honoré vai acumulando decisões formais contraditórias como uma câmera quase sempre na mão, recurso que é geralmente usado para representar a sensação de instabilidade, com uma paleta de cores (salvo algumas cenas de sexo) menos saturadas. Talvez, o melhor exemplo desse estilo conflitante seja o momento em que o protagonista explode emocionalmente dentro do carro da mãe (uma Juliette Binoche que pouco aparece) e isso é visto de fora do veículo, como se os cacos daquele ser em frangalhos não devessem nos atingir.

Com receio de mergulhar em definitivo no inverno da alma pelo qual passa seu personagem central, “Le Lycéen” (no original) frustra um pouco por cair na armadilha imposta por uma vertente do cinema atual que parece se recusar a abraçar visualmente as emoções que carregam em seus textos. As desesperadas tentativas de Lucas pela compreensão do que aconteceu e de seus porquês, que vão da busca por algum conforto religioso até diferentes maneiras de autopunição, jamais encontram no estilo comedido – e perdido, por vezes – de Christophe Honoré o veículo mais adequado para lhes dar a caudalosa vazão que represa.

Alan Ferreira

Professor, apaixonado por narrativas e poemas, que se converteu ainda na pré-adolescência à cinefilia, quando percebeu que havia prendido a respiração ao ver um ônibus voando em “Velocidade Máxima”. Criou o @depoisdaquelefilme para dar vazão aos espantos de cada sessão e compartilhá-los com quem se interessar.

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