“Gladiador II”: Ridley Scott mantém escala épica em filme intenso brilhantemente executado | 2024
Força e honra
Perspectiva. “O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final”, uma das melhores ficções científicas e também uma das melhores sequências já feitas, é um filme memorável não por fazer mistério, mas sim por propor um pacto com o público onde se sabe mais do lado de cá do que do lado de lá da tela. Quando Sarah Connor vê o T-800 vindo em sua direção no corredor do sanatório e foge dele temendo por sua vida, o público já sabe que ele é “do bem”, mas ela não faz a menor ideia dessa nova programação que o brutamontes metálico interpretado por Arnold Schwarzenegger traz consigo. Ela não sabe quem é a verdadeira ameaça, e se arrasta em direção à ela; mas o público sabe, e teme pela personagem exatamente naquilo que ela desconhece. A perspectiva dada ao público, com um panorama elaborado sobre o todo que se revela apenas parcialmente aos personagens, é o ingrediente de maior sucesso da obra. Perspectiva.
Um dos maiores charmes de “Gladiador II” reside justamente nesse mesmo aspecto, onde se vê uma trama política sendo desenrolada em paralelo com uma jornada de vingança pessoal, e ambas têm uma colisão iminente em sua rota devido ao desconhecimento da existência uma da outra. O público, por sua vez, se inquieta por conseguir ver todas as peças do tabuleiro e por ter noção dos riscos do inevitável embate que se constrói à medida em que a trama avança. Adotando esse caráter de exposição à plateia de forma equiparável aos textos épicos, como os feitos muito antes do surgimento novelizado dos romances, o filme não comete a indulgência de subestimar a inteligência do público. Há quem argumente que isso o torna previsível; e ele de fato o é, como se seguisse uma cartilha que já decoramos após tantos filmes se estruturarem de igual maneira; mas aqui não se encontrarão diálogos gratuitamente expositivos ou redundantes como nessas tantas outras obras medíocres que se vê hoje em dia.
Ridley Scott é um dos poucos realizadores ainda ativos que se empenham em devolver ao cinema seu panteão de espetáculo lúdico. “Gladiador II” faz parte de um grupo seleto de filmes de 2024 que faz valer cada centavo investido no ingresso – não por não ter defeitos, porque isso ele possui consideravelmente, mas por fazer de si mesmo um entretenimento colossal, onde a escala é mais importante do que a realidade factual. Isso não exime, obviamente, a verossimilhança da narrativa em si mesma; é apenas um traço daquilo que o próprio diretor já deixou claro em 2023, na ocasião de seu controverso “Napoleão”, onde deixou claro que a História com H maiúsculo não deve ser sobreposta, no contexto cinematográfico, à elaboração de uma trama mais atraente. Inundar o coliseu romano e enchê-lo de tubarões é historicamente improvável, mas não impossível. É nessa didática que Scott tem mostrado que gosta de trabalhar.
O filme se passa uma década e meia após a história mostrada no antecessor, vencedor de 5 Oscar em 2000, e traz Paul Mescal como um protagonista contido, um guerreiro sempre alerta e com rancores sobre uma vida pregressa que insiste em lhe perseguir. Quando a vida que ele construiu é destruída por um oficial romano (Pedro Pascal), ele inicia uma jornada de vingança que o levará de volta aos fantasmas que tanto evitou reencontrar. O elenco tem outros nomes de peso, mas o de maior destaque é que rouba para si todas as cenas em que aparece é sem dúvidas Denzel Washington. Com a proposta de debater sobre futuro, sobre legado, sobre ser lembrado ou não e principalmente sobre política, o filme da “velha roma” que almeja se reinventar acerta em todos os pontos que o filme da “Nova Roma” de Coppola errou.
“Megalopolis” não soube trabalhar a escala é implodiu sobre o peso de sua própria grandiosidade. “Gladiador II”, por outro lado, é tão megalomaníaco quanto mas se esquiva da pseudo-complexidade do filme com Adam Driver, e faz do espetáculo cinematográfico a sua principal razão de existir – até porque ninguém pediu uma sequência para o primeiro filme, mas agora que ela existe é gratificante que tenha sido concebida. Madeira ou aço, uma ponta é sempre uma ponta. “Gladiador II” é mais um espetáculo a ser apreciado na tela grande do cinema, e o trabalho de Ridley Scott tem todos os méritos de manter o cinema como um templo de expiação à nossa própria mania de grandeza, onde é justamente através dela que contemplamos nossa própria pequenez. Assistir um filme assim é como adentrar um templo; conecta-se com um plano maior e entende-se a própria importância. Ridley Scott faz do cinema a sua própria religião, e poucos conseguem emanar o mesmo.