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Festival do Rio 2024: “Manas”, de Marianna Brennand | 2024

“Manas” aterrissou na 26ª edição do Festival do Rio depois de arrebatar o público fora do país e levar o GDA Director’s Award, principal prêmio da Jornada dos Autores (Giornate degli Autori), uma das mostras competitivas do Festival de Veneza, na Itália. “Manas” é o primeiro longa de ficção de Marianna Brennand, que escolheu trazer ao publico o mesmo espanto que teve ao tomar ciência de diversos casos de exploração sexual de crianças nas balsas do Rio Tajapuru, na Ilha do Marajó (PA). Em 2014, ela ganhou um edital de desenvolvimento de roteiro promovido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) e deu início às pesquisas para o trabalho, que incluíram diversas viagens pela região. Primeiramente,  a intenção era produzir um documentário, campo no qual a cineasta já atuava, mas logo essa ideia foi abandonada, até mesmo para a preservação dessas meninas que sofriam abuso.

O drama acompanha a história de Marcielle (Jamilli Correa), uma jovem de apenas 13 anos inserida em um meio repleto de violências dentro da periferia onde mora. Moradora da Ilha de Marajó, no Pará, junto com o seu pai, Marcílio (Rômulo Braga), sua mãe, Danielle (Fátima Macedo), e três irmãos, a menina sofre com a perda da sua irmã mais velha Claudinha, que partiu para bem longe de onde moravam após arrumar um homem que circulava pela bacia hidrográfica que banha a região. Marcielle, agora mais experiente, começa e entender o que se passa à sua volta. Ela entendeu que tanto ela quanto a maioria das meninas ali estão presas em um ambiente marcado por dor e sofrimento. Preocupada com a irmã mais nova e ciente de que o futuro não lhe reserva muitas opções, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres que estão às margens do Rio Tajapuru.

Marianna Brennand, já acostumada a filmar documentários, traz  seu olhar esquadrinhador para essa obra de ficção com muito cuidado e sensibilidade. O ambiente sadio e acolhedor para as meninas atrizes é notado até pela perspectiva do público, uma vez que a direção deixa de fora o sensacionalismo e a visão maniqueísta dos fatos. Mas, nem por isso o longa se torna uma experiência fácil, o desconforto está por todos dos lados da tela, nos olhares e entreolhares, nos suspiros e semblantes entristecidos. Pontuo, inclusive, a performance da incrível atriz cearense Fátima Macedo, que dá vida à Danielle, mãe de Marcielle, que convive com o abuso desde que teve sua primogênita e tem que engolir o choro e a frustração toda vez que o pai leva a filha para ‘caçar’.

Durante o debate da Premiére Brasil no Festival do Rio, Dira Paes, que também integra o elenco e tem um papel conclusivo na trama, disse que o problema do abuso intrafamiliar na região é uma questão cultural e que precisa ser combatido no campo da conscientização. Até nesse recorte conseguimos ver o zelo de Brennand nos contornos do personagem do pai – sabemos quem é vítima e quem é algoz -, mas é possível entender que dentro dessa cultura habita um ciclo que muitas vezes segue na cadência da ignorância. A cultura do abuso tem vieses muito complexos e fica claro que a realizadora entende o que isso quer dizer, tamanha a sensibilidade na condução de sua trama, até mesmo na distribuição dos peões nesse tabuleiro repleto de peças, onde muitas delas estão quebradas e esperando ser refeitas. Será mesmo que em alguns casos dá pra colar o que foi quebrado? Não existe resposta pronta, mas Brennand deixa claro que o primeiro passo é falar do problema.

Com escolhas criativas louváveis e um final aterrador, “Manas” provoca uma catarse por onde passa. Assim também foi na última exibição durante o Festival do Rio. Que a produção ganhe voz o suficiente para falar pelos invisibilizados das margens do Rio Tajapuru.

 

Rogério Machado

Designer e cinéfilo de plantão. Amante da arte e da expressão. Defensor das boas causas e do amor acima de tudo. Penso e vivo cinema 24 horas por dia. Fundador do Papo de Cinemateca e viciado em amendoim.

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