Festival do Rio 2024 : “Infestação”, de Sébastien Vaniček | 2024
Durante um filme, diferentes emoções são despertadas, e virtuoso é aquele que consegue tanto diversificá-las quanto intensificá-las. Variados gêneros cinematográficos evocam sensações característicos, e, ao contrário do que o senso comum sugere, o terror vai além do medo. O nojo e a repulsa, por exemplo, estão intimamente ligadas a subgêneros específicos, como o body-horror, enquanto algumas narrativas mais carregadas no drama são capazes de provocar profunda angústia. No entanto, há uma emoção particularmente interessante: a aflição. Essa sensação pode ser atingida de várias formas, mas um dos caminhos mais diretos é através do uso de pequenas criaturas como insetos venenosos, especialmente as aranhas. Sob uma perspectiva evolutiva, a aracnofobia pode ter sido um mecanismo de sobrevivência, assegurando que aqueles que evitavam aranhas venenosas tivessem mais chances de sobreviver, transmitindo essa predisposição às futuras gerações. Esse sentimento ancestral ainda permeia o imaginário popular, algo que o cinema explora com frequência.
Na trama acompanhamos Kaleb (Théo Christine), um jovem fascinado por animais exóticos, que decide trazer para casa uma aranha venenosa. Entretanto, o aracnídeo escapa acidentalmente e em pouco tempo os moradores da vizinhança se veem em uma luta desesperada contra um exército de aranhas mortais, que se multiplicam rapidamente.
Apesar de inúmeros filmes sobre aracnídeos serem lançados anualmente, o mais lembrado dentro dessa temática continua sendo “Aracnofobia” (1990), um clássico da Sessão da Tarde dirigido por Frank Marshall e produzido por Steven Spielberg. O filme foi um verdadeiro sucesso de público, resultado de uma combinação perspicaz de humor e terror. Em contrapartida, “Infestação”, mesmo que herdeiro desse legado, abandona o alívio cômico, optando por uma narrativa de crescente tensão até seu desfecho.
O longa se desenrola em um grande conjunto habitacional nos arredores de Paris, habitado majoritariamente por pessoas em situação de vulnerabilidade. A crítica social, inserida de forma sutil, torna-se mais evidente em alguns momentos, especialmente quando a polícia intervém de forma violenta, refletindo a repressão estatal sobre os mais desfavorecidos, mesmo em situações delicadas. Essas camadas, no entanto, não constituem o elemento central da trama. Após cerca de meia hora dedicada a contextualizar alguns personagens, que acabam sendo pouco desenvolvidos e apresentados de maneira bastante homogênea, o filme mergulha rapidamente em um cenário de caos. A degradação do local contribui para intensificar o suspense: corredores mal iluminados devido à precariedade do sistema elétrico, goteiras que tornam o ambiente úmido e insalubre, encanamentos antigos e barulhentos, tudo compondo um cenário perfeito para a proliferação da pior das pragas. No segundo ato, o lugar, já nada acolhedor, se transforma em um verdadeiro inferno.
Como mencionado, o primeiro ato tem o objetivo de introduzir os personagens, enquanto o segundo é dominado pela presença das aranhas, ocupando grande parte da narrativa. O terceiro ato, naturalmente, busca costurar essas duas partes para concluir a história. No entanto, essa transição não é tão bem executada. Após o frenesi do segundo ato – sem dúvida o melhor do filme – o que antes tinha uma forte atmosfera de suspense acaba recorrendo a confrontos mais diretos, fazendo com que a trama se torne mais convencional e, consequentemente, previsível.
Terceiro longa da carreira do cineasta francês Sébastien Vaniček, “Infestação”, foi o grande vencedor nas categorias de Melhor Filme e Melhor Direção no Fantastic Fest 2023, um dos festivais mais renomados de cinema de gênero do mundo, realizado anualmente em Austin, Texas. O filme cumpre com excelência sua proposta, entregando o que provavelmente é o melhor terror com temática aracnídea em mais de três décadas.