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Festival do Rio 2024: “As Aventuras de uma Francesa”, de Hong Sang-Soo | 2024 

Hong Sang-soo é um renomado cineasta sul-coreano, conhecido por seu estilo minimalista e observacional. Partindo de situações cotidianas para alcançar maior complexidade, seus temas geralmente giram em torno das relações humanas, da passagem do tempo e do cotidiano. Frequentemente autobiográficos, seus personagens transitam por cenários intimistas, como cafés, restaurantes e pequenos apartamentos, onde conversam sobre vida, arte e suas próprias contradições.

Conhecido pela alta produtividade, “As Aventuras de uma Francesa” é o 31º longa-metragem do diretor desde sua estreia em 1996, mantendo uma impressionante média de mais de um filme por ano. Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim 2024, “As Aventuras de uma Francesa” preserva suas características mais marcantes: o realismo com toques oníricos e o domínio absoluto da técnica e da linguagem cinematográfica.

Outro ponto digno de nota são os colaboradores frequentes de Hong Sang-soo, com a atriz Kim Min-hee sendo ela a parceira mais constante. Nesta obra mais recente, no entanto, ele repete pela terceira vez a parceria com a francesa Isabelle Huppert. No filme, ela vive Iris, uma estrangeira que durante sua estadia na Coreia encontra no ensino de línguas uma forma de sustento. Utilizando métodos pouco ortodoxos, Iris interage com alguns habitantes locais, sempre deixando uma mistura de encantamento e estranheza.

Na mitologia grega, Iris é a deusa mensageira, conectando o céu e a terra, símbolo de comunicação entre o divino e o humano. É interessante refletir sobre esse significado ao falar de um filme que, embora aparentemente sóbrio, carrega em si nuances de realismo mágico. Não espere, portanto, manifestações explícitas como levitações ou fenômenos sobrenaturais. Esses elementos são apresentados de maneira sutil, como o som distante de uma flauta ou a ausência de explicações sobre o passado da protagonista. Ao longo do filme, Iris repete um “ritual de interação”, propondo um método de ensino que vai além da tradicional dinâmica de perguntas e respostas. Sua abordagem visa estabelecer uma conexão mais profunda, encorajando os alunos a expressarem não apenas o que pensam, mas também o que genuinamente sentem. A linguagem, para ela, torna-se uma porta de acesso à alma daquelas pessoas. E, ao falar de linguagem, não se trata apenas da fala, mas de várias formas de expressão: a música, com pessoas espontaneamente tocando instrumentos para Iris; a poesia, muitas vezes esculpida em pedra; e até a dança, que aparece em um breve, mas revelador momento.

Apesar da recorrência temática, o desenvolvimento das narrativas de Hong Sang-soo jamais se repete. Cada plano é meticulosamente concebido para cumprir um propósito específico, transcendendo uma mera execução de roteiro. Em “As Aventuras de uma Francesa”, por exemplo, há momentos que exemplificam essa atenção aos detalhes. Em uma cena, uma mãe serve uma refeição ao filho, que come com avidez. Esse episódio ocorre logo após uma discussão, e a disposição dos personagens em cena, com o filho de costas e o rosto oculto, enquanto a mãe é visivelmente destacada, comunica algo profundo. O prazer que ela demonstra ao vê-lo comer, o infantiliza, reforçando o teor da discussão anterior.

Hong Sang-soo é, sem dúvida, um dos cineastas mais singulares e consistentes da contemporaneidade. Com uma abordagem profundamente autoral, ele rompe com convenções e modismos, criando um cinema marcado por sua autenticidade e estilo inconfundível.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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