Festival de Cinema Europeu Imovision: “Dreams”, de Dag Johan Haugerud
Vencedor do Urso de Ouro em Berlim, "Dreams" encerra a trilogia iniciada por "Sex" e "Love"

Uma tríade que não tem como base a continuidade dos acontecimentos, mas sim de similaridades estéticas e temáticas. Em “Dreams”, Dag Johan Haugerud, inicialmente adota uma abordagem mais introspectiva em contraste com a verborragia dos títulos anteriores. Se antes havia a urgência do diálogo, agora a palavra se volta diretamente a nós. Uma fala solitária, conduzida pela narração em off de Johanne, num texto que carrega a densidade de uma boa prosa.
A trama acompanha a fascinação de Johanne (Ella Øverbye) por sua professora de francês, Johanna (Selome Emnetu). Movida por uma paixão intensa, quase febril, a jovem decide registrar seus sentimentos sobre a relação em uma série de escritos que compartilha com a mãe Kristin (Ane Dahl Torp) e a avó Karin (Anne Marit Jacobsen). Esse gesto íntimo acaba por desencadear uma série de pequenos conflitos familiares, revelando frustrações veladas e as tensões que atravessam diferentes gerações.
A estrutura do filme se mostra fluida e multifacetada, com variações ao longo da projeção. Porém, vale ressaltar, é a narração em off que se impõe como o eixo condutor, e também sua maior força. As falas derivam de um texto primorosamente escrito, de natureza poética, que evidencia o talento literário da protagonista e insinua, desde os primeiros minutos, que essa é sua verdadeira vocação. Ao colocar em palavras o afeto que sente por Johanna, Johanne inicia um processo de auto-descoberta que, embora motivado pelo outro, a leva gradualmente a uma imersão interior. Trata-se de um coming of age singular, marcado por uma leveza que se aproxima do etéreo. As cenas que ilustram sua escrita intensificam essa atmosfera de sonho, embaladas por uma paleta de cores suaves que traduz, em imagem, a delicadeza e os contornos fluidos da subjetividade da narradora.
O filme intercala a narração com diálogos pontuais e bastante objetivos, com destaque para o primeiro embate entre a mãe e a avó de Johanne. A mãe, visivelmente abalada, reage com incredulidade, excessiva preocupação, sem conseguir acolher a vivência descrita pela filha. Sua resposta, marcada por rigidez e desconforto, é fruto de uma relação pouco afetiva. Já a avó, escritora experiente, reconhece de imediato o talento da neta. Esse breve diálogo abre fissuras nas personagens, que aos poucos escancaram fragilidades, contradições e tentativas de reconexão, e a partir dessa dinâmica, novas camadas vão surgindo. Mesmo a professora, inicialmente envolta em uma aura idealizada, aos poucos é desmistificada. Seu brilho aos poucos dá lugar a uma presença mais humana, complexa e imperfeita. O terço final talvez seja o que mais destoa do restante da obra. Um salto temporal é inserido com o propósito de amarrar as pontas soltas, mas a transição soa excessivamente didática.
Ainda assim, “Dreams” encerra sua jornada com delicadeza. Mesmo quando tropeça na vontade de fechar o ciclo, há algo de sincero no modo como a vida segue, imperfeita, mas sempre em movimento. O que permanece não é a resolução dos conflitos, mas o eco persistente de palavras que seguem tateando o mundo, em busca de forma, de abrigo, de significado.