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“F1: O Filme”: examinando embate entre novos e velhos prodígios, filme com Brad Pitt brilha por técnica impecável e imersão eufórica | 2025

Nós temos o piloto

O automobilismo é explorado no cinema popular de forma quase vexatória – principalmente através de filmes pipoca extravagantes e mentirosos como os da franquia “Velozes e Furiosos” que, como divertimento descompromissado de coerência interna e externa, tem seu lugar de prestígio no mercado. Contudo, de tempos em tempos surgem filmes com um tom sóbrio de seriedade que fazem justiça às modalidades do esporte de forma honesta e honrosa. Esse tipo de filme é comumente produzido na categoria das cinebiografias e alçado à prateleira de filmes premiados, contando os feitos e peripécias mais inacreditáveis que figuras marcantes do setor realizaram e viveram em suas trajetórias. “Rush: No Limite da Emoção” (2013), “Ford vs Ferrari” (2019) e “Gran Turismo: De Jogador a Corredor” (2023) são os primeiros nomes que me voltam à mente, sendo esse último tão absurdo que, se não fosse uma história real, seria uma daquelas ficções tão despautérias e apelativas que geram aquele bom e velho comentário “só em filme mesmo para acontecer uma coisa dessas”.

Seguindo na mesma pista desses títulos mais “maduros” sobre o ofício de pilotar um carro em altíssima velocidade, “F1: O Filme” (ou “Fórmula 1: O Filme”, como tem sido chamado por alguns veículos de mídia para evitar relações com o ato de se consumir cannabis) faz uso de critérios verossímeis de extrema fidelidade à experiência de conduzir um carro configurado a esse tipo de corrida a 300km por hora. Força gravitacional, reflexos, ruídos e perspectivas são explorados aqui com uma ferocidade contagiante enquanto o pudor técnico avassalador da equipe de especialistas montada pelo diretor Joseph Kosinski (do excelente “Top Gun: Maverick”, 2022) e pelo produtor Jerry Bruckheimer (da franquia “Piratas do Caribe”) exprime todas as possibilidades audiovisuais para promover uma experiência cinematográfica intensa, singular e surreal. Única, inclusive, se vista em IMAX – tudo para conseguir um nível de imersão tão profundo quanto eufórico.

O que temos diante de nós é mais um exemplar da potência do cinema em sua essência mais crua e bruta. Um filme como poucos, que consegue o feito de acomodar o público cativo do esporte e também situar os espectadores avulsos ao contexto e às demandas de quem vive as corridas em seu cotidiano, fazendo delas o seu ganha pão. Intenso, inquieto e angustiante (em uma medida saudável, claro), o filme é montado por Stephen Mirrione (editor que trabalhou com Iñárritu em “Birdman” e “O Regresso” em 2014 e 2015, respectivamente) na dosagem exata para transformar o ato de assisti-lo na telona em um evento emocionante e memorável. Claro, há dúzias de convenções feitas entre roteiro e público para tornar críveis algumas situações tão absurdas quanto igualmente mentirosas, tecendo tolerâncias às imprudências que são deliberadamente infiéis à realidade das normas amplamente conhecidas por quem acompanha os Grandes Prêmios- tudo em nome do vivenciar de uma experiência que apure os sentidos e teste os nervos, com uma boa jornada de superação e um embate poderoso entre rivais de uma mesma equipe que precisam aprender a coexistir.

Com isso, devemos ser francos em analisar alguns pontos: o roteiro é mastigado? É. É recheado de clichês de uma ponta à outra? Também é. Está repleto de diálogos expositivos e entrega algumas falas demasiadamente cafonas? Com certeza. Mas é cinema em nível “absolute cinema” tal qual ao meme com Martin Scorsese? Sim, é. Oh se é! É um cinema repleto de competência técnica e artística, que energiza o público e o faz tremer nas poltronas enquanto é dominado pela excitação de testemunhar um arco de redenção, violação de regras e superação física e emocional ao som estridente dos rangidos metálicos dos carros e da trilha sonora composta por Hans Zimmer – que aqui parece ter reutilizado elementos das faixas Time, de “A Origem” (2010), e No Time For Caution, de “Interestelar” (2014), mescladas as batidas das trilhas de “Tron: O Legado” (2010, também dirigido por Joseph Kosinski e composta por Daft Punk) e “Rivais” (2024, composta pelos oscarizados Trent Reznor e Atticus Ross).

Com Brad Pitt em ótima forma ao lado de Damson Idris e Javier Bardem, o filme cativa através do contraste entre o velho e o novo, com a experiência disputando com a ânsia de provar a si mesmo. Tendo posturas arrogantes e aprendizados para ambos os lados, a rixa entre o titular e a nona opção ganha contornos épicos e humanos através de provocações, gírias ressignificadas e terapias com cartas à mesa – e as corridas tem o impacto intencionado pela ótima fotografia, pelos ótimos efeitos e pelo ótimo trabalho gráfico do design de produção. Contudo, não é uma cinebiografia. Parece, em dados momentos, mas não é. Tem Verstappen, Leclerc (cof-cof), Alonso e Hamilton (que inclusive é produtor do filme) em cena para trazer ainda mais credibilidade às corridas e simular mais verdades à trama, mas, embora possamos nos esquecer por alguns instantes, somos lembrados de que se trata de uma ficção quando nos deparamos com um cenário onde a Ferrari consegue ficar à frente da Red Bull. Se isso acontece então é nítido que há fantasia e, se há fantasia, então vale qualquer absurdo. “F1: O Filme” é um filmão completo, desses que vale cada centavo do ingresso. Fica a recomendação pessoal: se puder, assista em IMAX.

 

Vinícius Martins

Cinéfilo, colecionador, leitor, escritor, futuro diretor de cinema, chocólatra, fã de literatura inglesa, viciado em trilhas sonoras e defensor assíduo de que foi Han Solo quem atirou primeiro.

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