“Entre Nós, O Amor”: Valeria Bruni Tedeschi brilha em “dramedy” com foco na conturbada relação entre mãe e filho | 2025

Nicole (Valeria Bruni Tedeschi) é uma cinquentona que vive em um complexo habitacional de baixa renda nos subúrbios de Paris com seu filho de 19 anos, Serge (Felix Lefebvre). Desempregada e sem muitas qualificações, ela tenta conciliar a busca por um novo emprego, os preparativos para as noites de Natal e Ano Novo, bem como sua frustração por não poder oferecer uma condição de vida melhor para seu filho. A premissa pode ser simples, mas a construção elaborada da personagem que a atriz Valeria Bruni Tedeschi interpreta eleva “Entre Nós, O Amor” (2024) ao patamar de “dramedy” acima da média.
Dirigido e roteirizado por Morgan Simon, diretor do elogiado “Conte suas feridas” (2016), o enredo explora a melancolia de uma personagem feminina cheia de frustrações e diálogos desconcertantes com quaisquer indivíduos que cruzem seu caminho. Seja na interação desastrosa com seu gerente de banco ou ao fazer novas amizades com rapazes aleatórios no bar em frente ao seu prédio, Nicole parece ser dotada de uma habilidade inesgotável de constranger e chocar as pessoas com suas condutas e comentários. Em grande parte, este sucesso vem do absoluto domínio da atuação de Tedeschi, que consegue, ao mesmo tempo, sensibilizar o público com sua melancolia e seu olhar perdido, mas também incitar revolta pela forma como conduz as suas relaçoes interpessoais.
O ator Felix Lefebvre, que já havia mostrado seu talento no filme “Verão de 85” (2020), consegue capturar a revolta de um filho que percebe, a todo momento, que sua mãe não tem maturidade para conviver com ele nem equilíbrio emocional para oferecer afeto — pelo menos não da forma convencional. Em determinado momento, na noite de Natal, em vez de presenteá-lo com um jogo de videogame que ele desejava, ela lhe dá um cartão sobre doação de cadáveres para fins científicos. Ela explica ao filho que, como não deixará herança alguma para ele, apenas dívidas, ao doar o próprio corpo quando morrer, irá poupá-lo de ter gastos com seu enterro. A reação histérica do filho desencadeia uma espiral de conflitos que culminará na derrocada natalina e em uma sucessão de eventos inesperados na vida de Nicole.
Desolada, ao tentar encontrar conexão com outras pessoas, Nicole busca amparo no bar do bairro onde mora e lá conhece a proprietária do estabelecimento, Norah (Lubna Azabal), que lhe oferece compreensão e diversão ao entrar como “penetra” em sua festa de Réveillon. Norah talvez seja a única personagem deste universo que entende e valoriza Nicole e, consequentemente, a faz sentir-se valorizada. Um sensível trabalho das duas atrizes, que compartilham uma bela cena juntas ao som da música “Paroles paroles”, na voz da cantora ítalo-francesa Dalida.
“Entre Nós, O Amor” é uma daquelas obras que permanecem com você após a projeção do filme, seja como reflexão sobre os problemas das pessoas invisíveis que cruzam seu caminho todos os dias nas ruas da cidade, seja sobre a solidão e o senso de desconexão com o mundo ao redor. Em entrevista ao portal franceinfo, a atriz Valeria Bruni Tedeschi comentou sobre o filme: “Não digo que os filmes devem ser terapêuticos, mas devem dar alguma esperança para o público. Preciso sair da sala de cinema com o coração aberto, com um pouco de fé na vida.” E é justamente esta a sensação que fica para o público ao concluir o ato final desta pequena joia do cinema francês.