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“Dias Perfeitos”: Wim Wenders revela o encanto da rotina e a poesia do dia a dia | 2024

Não é novidade para ninguém que o extraordinário captura nossa atenção. Com isso, a rotina, aquilo que está sempre em ordem, pode parecer monótona e sem brilho. Quando ligamos a TV, percebemos facilmente essa dinâmica: os eventos que fogem do cotidiano são os que mais se destacam. Se no século XX vigorou a máxima do velho manifesto modernista “faça bem ou faça mal, mas faça novo”, no século XXI, o conceito de empreendedorismo tornou-se uma corrente dominante, inundando-nos com uma enxurrada de palavras novas e vazias de significado.

No entanto, em meio a essa maré de pseudointelectualidade, há aqueles que desafiam essa norma, infundindo elegância e poesia nas experiências mais comuns. Em “Dias Perfeitos”, Wim Wenders revela uma profunda sensibilidade e compreensão desse conceito. Homenageando mestres como Yasujiro Ozu, o veterano diretor alemão nos presenteia com o encanto da banalidade.

No longa acompanhamos Hirayama (Kōji Yakusho), um homem de meia idade que encontra contentamento em sua vida simples como limpador de banheiros em Tóquio. Mantendo uma rotina estruturada, ele dedica seu tempo livre para a música, a leitura e um curioso hábito de fotografar as folhas das arvores na praça onde costuma passar o tempo.

No processo de pós-produção, a grande maioria das cenas filmadas são cortadas durante o processo de edição e montagem, seguindo a premissa de destacar o essencial para impulsionar a narrativa. No entanto, em “Dias  Perfeitos”, essa abordagem é desafiada, oferecendo uma visão sem muitos retoques. O filme nos convida a observar a vida como ela é, preservando a beleza em sua forma bruta. Ao longo do primeiro ato, somos levados a acompanhar minuciosamente os afazeres do protagonista, desde o momento em que acorda, sua dedicação ao trabalho, esse muitas vezes subestimado, mas abraçado por Hirayama com genuíno contentamento e zelo, até suas últimas horas do dia, quando o ato de se banhar e a leitura que antecede o sono ganham contornos quase ritualísticos de tão cuidadosos. Alguns poucos elementos e personagens que aparecem brevemente nos dão pistas sobre seu passado, mas é tudo pontual e em nenhum momento roubam a cena.

O minimalismo com que Wenders conduz a narrativa é condizente com a proposta. A simplicidade da técnica e as escolhas estéticas ajudam a tornar o longa menos hermético. Embora alguns possam se incomodar com o desenvolvimento onde “nada acontece”, essa percepção é, no mínimo, equivocada.

O filme transmite uma ideologia bastante clara, ainda que de forma sutil. Apesar de se passar no Japão, com atores japoneses, há uma fusão de ideais entre oriente e ocidente, evidenciada pelos livros, músicas e outros produtos consumidos por Hirayama. A filosofia de rejeitar a espetacularização da vida, mais associada aos orientais, está cada vez mais presente também no ocidente.

O longa teve a primeira exibição em Cannes 2023, rendendo a Kōji Yakusho o prêmio de melhor ator, uma conquista justa dada a excepcional interpretação. Sua performance requer uma expressividade significativa, não apenas verbal, o que adiciona complexidade ao papel devido à natureza introspectiva do protagonista. O filme também marca presença no Oscar 2024, garantindo uma maior distribuição nas salas de cinema e proporcionando ao público geral a oportunidade de se encantar com essa história que, em sua essência, reflete um pouco da jornada de todos nós.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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