“Como Vender a Lua”: Humor, romance e política encontram equilíbrio brilhante em filme que revisa a corrida espacial | 2024
Ela lacrimejou, que medo
Li há alguns dias um comentário de Steven Spielberg sobre os métodos com os quais conduz seus filmes, destacando que a prioridade e grande estrela de cada um deles sempre foi, na verdade, o roteiro. Os atores e atrizes, que são habitualmente tidos como estrelas, tem que estar em favor do filme e não o filme em favor deles – isso segundo a dinâmica adotada por Spielberg. “Como Vender a Lua”, novo filme da Apple e notável aposta do estúdio para a próxima temporada de premiações, segue uma linha semelhante à do diretor de “Contatos Imediatos de 3⁰ Grau” (1977) por colocar Scarlett Johansson e Channing Tatum em papéis que não foram encomendados a eles, mas que fazem parecer que foram eles feitos para os papéis.
O roteiro é brilhante. Não à toa, foi cobiçado por tantos estúdios e considerado por muitos uma obra de arte antes mesmo de ser tirado do papel. A química entre Johansson e Tatum como uma publicitária vigarista e um aviador certinho, é uma das mais elegantes da comédia romântica contemporânea. No entanto, o filme não se limita a um só gênero e mistura política histórica, conspiracionismo, drama e aventura em uma realização repleta de efeitos visuais bem empregados e trabalhos de design de produção, figurino e maquiagem & cabelo que são dignos de, no mínimo, indicações ao Oscar. Os diálogos são inspirados e tudo ganha ainda mais significado quando se tem consciência de que os eventos apresentados no filme são verídicos – ou, pelo menos, parcialmente. Hollywood sempre dá um jeito de enfeitar as coisas, como bem sabemos, mas é a incerteza sobre o que é e o que não é real que mais instiga os comentários pós sessão.
A direção de Greg Berlanti, famoso na mídia por ser um dos maiores responsáveis por realizar o Arrowverse da DC na televisão durante a última década, é refinada e muito pontual em elipsar passagens e contextualizar o tempo passado. A passagem dos meses tem um peso diferente, e é possível sentir o ritmo inquieto e ansioso das equipes representadas no filme também na montagem que dinamiza ainda mais o todo. “Como Vender a Lua” é um filme charmoso, ambicioso e provocativo, mas também é um ótimo exemplar de como a indústria tem nas mãos o poder de escrever e reescrever a História (aquela com H maiúsculo) como bem entender, conforme mandam os “donos da bola” nesse jogo político de gato e rato que nunca termina.
O filme entende a sétima arte como uma ferramenta política e tira sarro daquela velha premissa que dita que “a vida imita a arte”. O medo ocidental de dormir sob uma lua comunista fez o cinema se tornar a arma de um grande golpe de marketing, que até hoje fundamenta o argumento de muitos estudiosos que atestam que o pouso na lua foi uma farsa filmada por Stanley Kubrick. E no fim das contas, entre felinos intrusos, perguntas sobre a existência de extraterrestres e sotaques do meio oeste, “Como Vender a Lua” é uma das maiores e mais gratas surpresas do meio de 2024. É um cinema leve e inocente, apesar da temática. É um clima gostoso de conquista de lua e de corações, que apetece em muito quem quer uma alternativa leve no oceano de Pixar, Illumination e Marvel que domina as salas nessas férias.