“Como Treinar o seu Dragão”: surpreendente e fidedigno, live-action refaz os passos da animação e acerta em todos eles | 2025
Você tem algo que nenhum de nós tem

Quinze anos separam a estreia da animação “Como Treinar o Seu Dragão” da releitura em live-action que chegou em 2025 aos cinemas. Meu maior sonho, na época do lançamento da primeira versão, se tornou ter uma besta alada como o Banguela ou qualquer um dos Banshees da Montanha do também belíssimo “Avatar” (2009), de James Cameron, e voar por aí com o vento soprando no rosto. Quinze anos, quem diria. Muito aconteceu nesse período, muito mais do que eu conseguiria mensurar em poucas palavras, e hoje sou outro. Contudo, o remake estrelado por Mason Thames, Nico Parker e Gerard Butler conseguiu trazer à tona a minha versão adolescente que, em 2010, sorriu abastadamente e se emocionou com uma intensidade ímpar quando foi ao cinema para assistir à jornada de Soluço e Banguela nessa que é uma das mais improváveis e mais belas amizades que o cinema já viu. E eu voltei a querer voar em um dragão.
Dean DeBlois, que co-dirigiu tanto o primeiro filme da trilogia animada quanto “Lilo & Stitch” (2002) ao lado de Chris Sanders, retorna ao posto de diretor e roteirista da franquia, assumido também nas sequências de 2014 e 2019, para trazer ao “mundo real” os personagens que marcaram uma geração inteira na década passada. Como um espelho que reflete cena por cena o filme original, a nova versão foge das facilidades das gravações repletas de chromakey que alguns estúdios (cof-cof, Disney, cof-cof) insistem em replicar – naquele modelo que já vimos diversas vezes, com uma realidade plastificada que grita na tela -, e entrega uma obra tão crível quanto incrível, filmada em locações reais (praias e florestas da costa da Islândia, além de Escócia e Irlanda do Norte) e uma excelente integração entre o CGI e a natureza, além de interações excelentes entre o elenco e os tantos modelos digitais que roubam a cena com.sua estética amplamente detalhada. Tem cenas de chromakey também, claro, mas o cuidado da equipe técnica é tanto que fica muito difícil fazer separação entre o que é real e o que é digital.
A trama já é conhecida, mas se por acaso alguém ainda não souber nada sobre esse universo fantástico, a surpresa e o deslumbramento são praticamente certos. Soluço, o desengonçado ajudante de ferreiro filho do líder de uma ilha viking, sonha em matar um dragão para alcançar algum status na comunidade além de ser só o filho do chefe. Ele consegue capturar um e, ao invés de matá-lo, demonstra piedade e inicia uma relação de amizade com a bestialidade que ficou incapacitada de voar de forma autônoma. Com isso, deve enfrentar séculos de tradição para mudar a opinião de seu povo sobre os ditos inimigos e, assim, evitar que seu novo amigo seja sacrificado. Não há grandes alterações no roteiro, mas vale destacar o acréscimo de algumas cenas que enriquecem contextos e amplificam urgências e ameaças. Há espaço para uma melhor exploração das motivações de Astrid, para uma maior profundidade emocional dos coadjuvantes e para um desenvolvimento mais íntimo de algumas relações – em especial a do jovem humano e a do dragão amputado.
Indo na direção contrária dos live-actions da Disney, o filme em questão beira o impecável: efeitos visuais que nos levam a esquecer várias vezes que o voo e os dragões (e alguns cenários também) são feitos de animação, a trilha sonora genial de John Powell (que é infinitamente superior à de “A Rede Social”, que venceu o Oscar da categoria e se consagrou como uma das maiores injustiças da premiação), o design de produção que construiu lugares riquíssimos em detalhamento, a fotografia que agrega à ação um balé visual arrebatador, o figurino maravilhoso que traz o peso de toda uma cultura, tudo, tudo mesmo, em uma costura muito firme. É um filme sólido, ciente de si, e que não tenta se reinventar para ser bom porque já sabe que o é. Assim como os filmes da saga “Jogos Vorazes” (2012-2015) e suas prequelas subsequentes, o material base não é violado ou alterado em sua forma, e as leves mudanças são apenas acréscimos que aprimoram e expandem ainda mais o que já está estabelecido.
Sim, eu quero um dragão. Eu quero ir a Berk, quero abraçar aqueles personagens, e quero viver a fantasia com os quais me encantei na adolescência. Há quem diga que o novo filme é uma “carta de amor aos fãs”. Não gosto desse termo. Prefiro dizer que esse live-action é um testamento para o bom e velho cinema, onde boas histórias estão acima de discursos falhos e falíveis que mudam conforme aponta o vento monetário. “Como Treinar o Seu Dragão” é um clássico moderno, que merece ser bem reconhecido na próxima temporada de premiações com pelo menos boas indicações (sabemos que quanto à trilha ele não será elegível ao Oscar, e quanto aos efeitos é impossível bater o vindouro “Avatar: Fogo e Cinzas”, que estreia em dezembro). Com um calor enorme no coração e uma realização imensa em ver figuras tão queridas “ganhando vida”, concluo afirmando categoricamente que a Disney tem muito a aprender com a DreamWorks (e com Dean DeBlois, que aqui faz sua estreia em filmes live-action não documentais) sobre como fazer filmes que honrem a memória dos fãs e que sejam bons de verdade.
