“A Prisioneira de Bordeaux”: ao justapor vidas tão distantes, longa prefere o gesto contido ao embate direto | 2025

“A Prisioneira de Bordeaux” parte de uma premissa que carrega potencial. Duas mulheres vindas de mundos opostos, conectadas por um elo inesperado, a ausência de seus maridos, ambos presos. O encontro acontece em meio à rotina carcerária, mais precisamente durante os preparativos para a visitação dos detentos, e o filme, por um instante, parece interessado em explorar o que esse cruzamento pode gerar. Mas essa promessa se dissipa rápido. O gesto de aproximação vira convivência de forma imediata, como se não houvesse ruído ou contradição entre uma mulher rica, solitária e excêntrica e uma jovem mãe periférica e sobrecarregada.
Nada disso é tratado com a complexidade que merecia. O que se vê é uma sucessão de acontecimentos montados de forma simplória. E não no sentido da simplicidade, mas no sentido de uma dramaturgia que encurta caminhos, que evita a fricção, que naturaliza o improvável como se fosse banal. As ações se encadeiam sem esforço, como se tudo o que se passa entre Alma (Isabelle Huppert) e Mina (Hafsia Herzi) estivesse previsto desde a primeira troca de olhares. Não há hesitação, não há desconforto, não há estranhamento. E, por isso mesmo, não há verdade.
Essa apatia, esse fluxo constante que o filme adota como forma, atravessa tudo. A convivência entre as duas, que poderia ser um terreno fértil para a tensão, mesmo que silenciosa, permanece estagnada. Os papéis são definidos no início e nunca se alteram. Alma oferece ajuda, Mina recebe. Alma age, Mina se adapta. Não há disputa simbólica, nem deslocamento. Apenas uma relação que se instala com facilidade demais e permanece ali, intocada.
Isabelle Huppert tenta preencher o que o roteiro não oferece. Sua personagem carrega uma complexidade que o filme nunca desenvolve de fato. Há algo de melancólico, às vezes até cínico, no modo como ela se relaciona com os outros. Com Mina, às vezes se assemelha a um tédio que se disfarça de compaixão. Huppert encontra esse lugar, mas permanece isolada. Mina tem um contexto cheio de camadas possíveis. A maternidade, a posição social, um passado recente conturbado com o marido. Tudo isso poderia render, mas não se realiza. Os filhos nunca são um problema relevante. No trabalho, nada se tenciona. Mesmo a relação com a funcionária da casa de Alma não ultrapassa o reconhecimento da nacionalidade da mulher. A personagem desaparece tão rápido quanto surgiu. Herzi é uma excelente atriz, mas a personagem está ali apenas para marcar a diferença. Estabelecer contraste.
O filme parece acreditar que evitar o melodrama é, por si só, um gesto sofisticado. E de fato, retirar peso, negar o excesso, pode ser uma escolha estética válida. Mas aqui o que se tem é um esvaziamento. Quando o roteiro enfim insinua um fio de tensão, com um conflito externo que remete ao passado do marido de Mina, a narrativa continua no mesmo tom. O suspense surge, mas não contamina. A ameaça não encontra eco. O filme segue, imperturbável. O que sobra é essa sensação de promessa que nunca se cumpre. “A Prisioneira de Bordeaux” parece se preparar o tempo todo para um acontecimento. Há um caminho pavimentado, há pistas lançadas, há uma expectativa que se alonga. Mas quando algo finalmente acontece, ele só acontece. Simples assim. Sem desvio, sem queda, sem abalo. É uma linha reta que começa e termina no mesmo lugar.