“A Noite Sempre Chega”: Vanessa Kirby é destaque em thriller sobre graves mazelas sociais | 2025

A miséria quando entra na vida de alguém parece se instalar num ciclo infinito de infortúnios difícil de sair. Pobreza, abuso, relações tóxicas, infância interrompida, desemprego: a personagem Lynette vive mergulhada nesses dramas, e quanto mais luta pra superá-los, mais eles a engolem.
Inspirado no livro homônimo de Willy Vlautin lançado em 2021, o novo longa da Netflix “A Noite Sempre Chega” acompanha Lynette, uma moça batalhadora que nunca teve boas oportunidades na vida e que tem dois subempregos pra sustentar a mãe e Kenny ( Zack Gottsagen), o irmão portador de síndrome de Down. Sua sorte parece que vai mudar quando surge a oportunidade de comprar a casa onde viveram a vida toda, porém, num rompante egoísta, sua mãe ( Jennifer Jason Leigh) usa o dinheiro para dar entrada num carro de luxo. Para salvar todos do despejo, Lynette sai junto do irmão numa jornada de uma noite para levantar o dinheiro, enfrentando um submundo perigoso de crimes, degradação e pessoas inescrupulosas.
O diretor Benjamin Caron (vencedor do Emmy pela série “The Crown”) nos conduz com competência ao submundo do crime, onde drogas, prostituição, fugas e muita violência são rotineiros. O caos não é só externo, Lynette enfrenta diversos dilemas para salvar sua família, além de encarar fantasmas do passado que ainda a massacram, como o abuso e o abandono. O viés crítico da narrativa, embora cheio de clichês, traz a grave crise habitacional e a especulação imobiliária que assolam os EUA e deixam famílias inteiras nas ruas, assim como a falta de oportunidades e a luta pela sobrevivência nos bairros periféricos. A estrutura temporal do longa é feita através do relógio que marca as horas entre as sequências alucinantes, o tempo pra arrumar o dinheiro vai se esgotando, e o caminho pro inferno e o desespero aumentam com as várias reviravoltas na trama. O clima sombrio é otimamente ambientado na cidade de Portland, por onde andamos por bairros sujos, bordéis e cassinos claustrofóbicos que refletem bem a família disfuncional em franca decadência, seus problemas e a forma torta com que tentam resolvê-los.
A performance poderosa de Vanessa Kirby como Lynette é o fio condutor emocional de “A Noite Sempre Chega”. Indicada ao Oscar de Melhor Atriz por “Pieces of a Woman”, aqui ela vive a atormentada protagonista com o mesmo brilhantismo. Lynette é moralmente ambígua e tida como deliquente maluca, ela sofreu tanto que desenvolveu uma capacidade de represar suas emoções no olhar tristonho e na fala moderada; todas as loucuras que ela fez na vida só fizeram mal a ela mesma – e foram um grito de socorro numa trajetória de sobrevivência.
O longa tem alguns deslizes, como a falta de um melhor desenvolvimento psicológico de Lynette, e o subaproveitamento da personagem de Jennifer Jason Leigh, a mãe tóxica que parece se preocupar com os filhos; suas histórias tinham muito potencial para enriquecer a trama. Porém o balanço geral é positivo, pois o longa é um retrato visceral da realidade de muitos, com tensão e emoção que não dão trégua. Ao contrário de outras produções inferiores ( mas com marketing pesado), “A Noite Sempre Chega” foi lançado sem estardalhaço pela Netflix e é uma grata surpresa no seu catálogo.