“A Luz”: saga de uma família de classe média disfuncional é tema central do novo filme do cultuado diretor alemão Tom Tykwer | 2025

Filme de abertura do Festival de Berlim deste ano, “A Luz” (2025) é dirigido e roteirizado pelo celebrado Tom Tykwer, que ganhou renome internacional com “Corra, Lola, Corra” (1998). O cotidiano da família Engels é o ponto de partida para adentrarmos na estrutura disfuncional de quatro personagens que vivem à margem do colapso pessoal em suas respectivas vidas. A mãe, Milena (Nicolette Krebitz), está tentando implementar um projeto desafiador em Nairóbi, África, para criação de um teatro comunitário utilizando verbas do governo alemão. O pai, Tim (Lars Eidinger), um publicitário responsável por campanhas de empresas com consciência ambiental, pedala com sua bicicleta por Berlim inteira, numa representação da cidade sempre chuvosa e acinzentada.
Os filhos gêmeos adolescentes, Frieda (Elke Biesendorfer) e Jon (Julius Gause), parecem ilhados em seus cotidianos sem perspectivas: ele, recluso e viciado em jogos de VR; e ela, uma ativista que acabou de abortar um bebê. Por último, ainda temos Dio (Elyas Eldridge), uma criança de 8 anos que Milena teve em um relacionamento extra-conjugal com Godfrey (Toby Onwumere), um senhor africano que ela conheceu em seu trabalho.
A vida desses personagens se desenrola sob o mesmo teto de um apartamento amplo e confortável berlinense. Contudo, praticamente nenhum se conecta ou dirige a palavra ao outro, escancarando a desconexão da família burguesa contemporânea sob a ótica de Tykwer. A empregada doméstica polonesa tem um ataque cardíaco fatal no chão da cozinha dos Engels. Mesmo assim, o corpo permanece estendido por horas até que alguém se dê conta e perceba a situação dramática — uma clara banalização daquela família pelos problemas alheios.
Para substituir a empregada, a família contrata uma refugiada síria chamada Farrah (Tala Al Deen), uma mulher marcada por uma tragédia pessoal e que guarda o propósito narrativo de ser catalisadora para mudanças na vida daquela família. Farrah é adepta de um tratamento experimental para depressão que envolve o uso de fototerapia. Por essa razão, o filme intitula-se “A Luz” e explora o poder que essa técnica terá ao desencadear transformações na vida de Farrah e dos Engels.
Com suas longas 2 horas e 40 minutos, “A Luz” tenta empregar diversos recursos narrativos para contar essa história e torná-la mais dinâmica — desde o uso de animação estilizada até números musicais coreografados no meio das ruas de Berlim. Em particular, há o uso, já manjado e clichê, da música “Bohemian Rhapsody” do Queen, que visa uma espécie de catarse coletiva ao som da interpretação e imaginação de Dio, o filho pequeno de Milena, que ela tem sob guarda compartilhada com Godfrey. Se tais recursos criativos funcionaram e alavancaram super bem “Corra, Lola, Corra” há quase 30 anos, aqui parecem deslocados e sem propósito no tipo de história que Tykwer quer contar.
Cada membro da família estabelece um vínculo pessoal com Farrah, e ela, aos poucos, revela os desejos secretos que tem em relação a eles. Isso culmina em um final apoteótico cheio de efeitos especiais e revelações que descortinam tudo o que há por trás de suas ações. Tykwer tenta criar um mosaico desafiador de histórias paralelas sobre seus personagens, mas seu roteiro é ambicioso demais para abraçar todos os temas que quer abordar — tais como dramas familiares, desconexão no mundo moderno e a crise dos refugiados.
O elenco, sem dúvida, é o ponto forte da obra. Seus personagens são ricos e trazem uma diversidade de perspectivas ao eixo narrativo que enriquecem a trama. Contudo, são tantos personagens em cena que isso acaba comprometendo a coesão da história, mesmo sendo um filme de longa duração.
Depois de um hiato de quase dez anos — o último filme de Tom Tykwer foi “Negócio das Arábias” (2016) —, o diretor ainda demonstra ter fôlego para construir elaborados roteiros e adotar sua costumeira linguagem dinâmica e estilizada na direção. É bom tê-lo de volta, mesmo em um filme que fica aquém de suas potencialidades.