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“A Odisseia de Enéias”: longa retrata o vazio do privilégio com visão pessimista da juventude | 2025

O título dá impressão de se tratar de um clássico moderno, como se o mito envolvendo o nome do protagonista evocasse a fundação e a grandeza de Roma. A narrativa, no entanto, é bem menos – ou nada – epopeica. Pietro Castellitto, ator, diretor e roteirista, em sua segunda incursão como diretor de um longa-metragem, constrói um filme que se propõe a fazer um retrato melancólico da juventude contemporânea, escrava de suas urgências e de seus prazeres imediatos.

Na trama, Enea carrega consigo o mito por trás de seu nome. Ao lado de Valentino, um aviador recém batizado, ele frequenta festas de elite, vende drogas e experimenta o vazio da juventude com uma vitalidade inabalável. Amigos de infância, os dois caminham por um mundo corrompido, apenas motivados pela auto satisfação.

O existencialismo que permeia os personagens aparece logo na primeira cena, com o diálogo que a dupla mantém com a mãe de Enea, após um jantar sofisticado. A conversa gira em torno sobre o propósito da vida, a partir da escala social a qual pertencem. A divagação dos personagens é claramente inspirada nos roteiros de filmes neorrealistas, mas o diferencial é a inversão de perspectiva proposta por Castellitto. Enquanto as incertezas do pós-guerra constituíam o ethos do cinema italiano, com histórias explorando a miséria humana e o pessimismo do homem em relação à sua própria natureza, aqui os questionamentos existencialistas dos personagens soam cínicos, porque expressados a partir do ponto de vista de pessoas privilegiadas, apenas preocupadas com interesses egoísticos.

Em um mundo de aparências, em que status precede qualquer valor moral, a dupla de protagonistas transborda a barreira do certo e errado; do legal e ilegal, atravessando a vida com um espírito inconsequente e quase ingênuo. A construção de um retrato amoral de uma geração excessivamente materialista e de perspectivas rasas perpassa todo o filme, deixando claro o pessimismo de Castellitto em relação a uma juventude elitizada, que vê no hedonismo a única maneira de anestesiar a sua miséria existencial.

A representação do estado psicológico dos personagens conta com um visual que transita entre o cotidiano e o delírio. O ritmo, porém, é quebrado, com cortes abruptos que prejudicam o andamento da trama. Apesar de certas ousadias estilísticas, que beiram o surrealismo, o longa acaba se perdendo com certa exibição técnica. Mesmo com esses escorregões, “A Odisseia de Enéias” é um típico drama italiano, com pequenas pitadas de humor e o olhar crítico voltado para sociedade da velha bota.

 

Vitor Pádua

Advogado que expia o juridiquês com a paixão pela fotografia e pelo cinema.

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