“Oh, Canadá: um filme pequeno em gestos, mas de imensa coragem | 2025

Tem filmes que parecem feitos à beira de uma febre. Tudo soa confuso, murmurado de dentro. Como se a câmera não quisesse mais encarar o mundo, mas apenas escutar o que ainda resta de uma consciência em ruína. “Oh, Canadá”, novo longa de Paul Schrader, é um desses filmes. Um murmúrio final, uma tentativa de reorganizar os cacos antes que o corpo se apague.
Na trama acompanhamos Leonard Fife (Richard Gere), um documentarista aclamado que agora enfrenta um câncer terminal. Sabendo que o fim se aproxima e acompanhado de perto por sua esposa Emma (Uma Thurman), aceita registrar uma longa entrevista, conduzida por dois ex-alunos. Entre lembranças desordenadas e verdades desconfortáveis, Leonard revisita sua juventude (Jacob Elordi), sua fuga dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã e os inúmeros relacionamentos que abandonou pelo caminho.
Schrader continua orbitando seus temas recorrentes: homens isolados, atravessados pela culpa. Mas se em “Fé Corrompida” ou “Jardim dos Desejos” ainda havia espaço para a redenção, aqui o que resta é o esgotamento. Não há mais salvação, nem justiça a ser feita. Só resta a possibilidade, mesmo que remota, de ser honesto com quem ficou.
Leonard Fife foi um artista combativo. Mas agora, entrevado na cama, não tem mais energia para sustentar o mito. A entrevista é mediada por um equipamento inventado por ele que permite que o entrevistado encare diretamente quem o questiona. Um detalhe técnico, mas que vira metáfora visual, aqui, a câmera já não protege, ela confronta.
A restituição dos fatos parte do olhar de Leonard e, como não poderia ser diferente vindo de um homem à beira da morte, essa reconstrução é desordenada, desarticulada, hesitante. O filme rejeita qualquer didatismo. O que se vê na tela é um expurgo, um último suspiro. A interpretação de Richard Gere oscila entre a entrega absoluta à falência física e emocional do personagem e recaídas em maneirismos já conhecidos. Já Jacob Elordi funciona como uma promessa de um futuro que já sabemos desde o início que será quebrada. Schrader trabalha ambos com liberdade, por vezes os reunindo no mesmo plano, sem se preocupar com linearidade ou realismo. A memória, afinal, não respeita convenções, e a montagem do filme compreende isso. Thurman, embora em papel secundário, se mantém relevante. Sua presença é o fio que ainda prende Leonard ao mundo.
“Oh, Canadá” não é um grande filme, mas é uma obra profundamente pessoal. Por vezes torto, fragmentado, como os pensamentos de alguém que tenta organizar a vida entre um comprimido e outro. Schrader sabe que já disse mais, e com mais força. Aqui, ele apenas tenta dizer o que nunca teve coragem. E isso não é pouco.