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“Sol de Inverno”: longa japonês combina com maestria realismo e poesia em narrativa encantadora | 2025

A luz do inverno não aquece, e, nesse sentido, aqueles que traduziram “My Sunshine”, do original, para “Sol de Inverno” parecem ter captado, com precisão, a essência do filme. A obra é uma narrativa sutil, marcada por delicadezas e momentos de encantamento genuíno. Contudo, há um distanciamento intencional no olhar, que posiciona o longa em um lugar de contemplação fria e pouco acolhedora. Essa escolha, longe de ser um erro, sublinha a proposta de manter a narrativa envolta em uma atmosfera de reserva emocional, ainda que permeada por uma beleza discreta e poética. Com poucos conflitos e uma encenação contida, “Sol de Inverno” equilibra com maestria o realismo e a poesia, sustentando uma cadência hipnotizante até o fim. Ou quase…

Na trama acompanhamos Takuya (Keitatsu Koshiyama), um jovem introspectivo que vive uma rotina monótona e desinteressante até que a chegada do inverno transforma sua vida. Ao conhecer Sakura (Kiara Nakanishi), uma talentosa patinadora artística, ele é imediatamente cativado por sua graça e motivado a se aproximar dela, o rapaz decide se aventurar no esporte, contando com a orientação de Arakawa (Sosuke Ikematsu), um experiente ex-profissional da modalidade.

Qualquer tentativa de encaixar este filme em uma categoria específica resultará, ao menos em parte, em erro. Ele traz características típicas de um coming of age, como a busca por identidade e a superação de desafios pessoais, além de elementos de filmes esportivos, como as sequências de treinamento. No entanto, enquanto em “Rocky”, maior exemplo do gênero, as cenas de treino constroem uma energia crescente rumo à vitória, aqui o mergulho do trio na rotina de treinamentos transcende o êxito competitivo — mesmo para Sakura, que possui ambições maiores.

É interessante notar que, assim como no início, a interação entre eles permanece marcada por um silêncio quase absoluto. Há poucos diálogos, mas uma mudança sutil se manifesta em gestos: trocas de olhares, sorrisos discretos e até risadas espontâneas. O ápice dessa conexão ocorre quando eles abandonam a penumbra do gélido ginásio e encontram-se junto ao lago congelado, sob o céu azul, com a imensidão branca da neve ao fundo.

A fotografia utiliza fachos de luz que invadem os ambientes de maneira calculada, criando uma atmosfera visualmente rica e multifacetada. É curioso observar como, ao ser capturada de diferentes ângulos, uma mesma faixa de luz pode transmitir sentimentos distintos. Por exemplo, o sol que penetra no ginásio e incide sobre Takuya evoca determinação, quase como se iluminasse um momento de renascimento. Por outro lado, no leito do casal, o uso do mesmo recurso provoca um sentimento de melancolia, sublinhando a distância emocional que permeia o espaço.

Exibido no Festival de Cannes 2024, “Sol de Inverno” não é exatamente um abraço caloroso, nem pretende oferecer palavras de consolo. Está mais próximo de um olhar de complacência, quase de piedade, que combina as diversas tonalidades capazes de colorir a vida, sem suavizar ou maquiar os aspectos mais sombrios e cinzentos da nossa existência.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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