“Black Tea – O Aroma do Amor”: Choques de culturas e amores impossíveis são destaques de drama indicado ao Leão de Ouro | 2024
O diretor da Mauritânia, Abderrahman Sissako, causou grande impacto na temporada de premiações com seu filme de 2014, “Timbuktu”, que inclusive foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2015. Desde então, o diretor se concentrou em pequenos curtas-metragens até realizar seu mais novo longa-metragem, que chega agora aos cinemas brasileiros: “Black Tea – O Aroma do Amor”.
Em linhas gerais, “Black Tea” foca na história de Aya (Nina Melo), uma jovem da Costa do Marfim que, após dizer “não” ao seu noivo no altar de seu casamento, decide se exilar na cidade de Guangzhou, China, também conhecida como Chocolate City, devido à sua grande comunidade de imigrantes africanos. Ela consegue um emprego em uma loja de chás para exportação, onde desenvolve uma relação afetuosa com seu patrão mais velho, Cai (Han Chang). Durante o processo de adaptação de Aya à cultura chinesa, somos apresentados a uma série de interações e choques entre o mundo tradicional chinês, representado aqui com figurinos e estética de cores saturadas e frias, em contraste com as cores vivas e intensas dos imigrantes africanos que povoam bares e salões de beleza da cidade. O diretor de fotografia, Aymerick Pilarski, tem um olhar apuradíssimo para traduzir sentimentos e momentos-chave do filme em uma marcante visualidade na tela, destacando-se como a cor verde intensa parece pontuar boa parte das cenas.
Aya fala fluentemente o mandarim na história, porém mais difícil do que decifrar um idioma é compreender como os sentimentos que ela começa a nutrir por Cai podem ser expressados vindo de uma cultura tão diferente e expansiva como a dela, em oposição ao tom comedido e introspectivo dos chineses. É interessante notar esse choque se desenrolar à medida que ela se aprofunda na vida íntima de Cai e descobre mais sobre seu complexo passado com sua ex-esposa e uma filha que teve fora do casamento e que vive em Cabo Verde.
“Black Tea” não investe em cenas românticas ou sensuais, preferindo investir nas sutilezas e no subtexto de seu roteiro. A conexão mais íntima que o público vai ver entre Aya e Cai é quando ambos se juntam em uma mesa no subsolo da loja de chá para que ele a ensine a conhecer melhor os aromas e rituais envolvidos no ato de tomar e apreciar chás. Em determinado momento dessas interações, Cai, com sua calma e sabedoria, explica a Aya que uma xícara de chá deve ser saboreada em três goles: no primeiro gole, aprecia-se o ambiente e seus arredores; no segundo gole, aprecia-se o sabor ou gosto do chá; e no terceiro gole, aprecia-se o afeto e os sentimentos.
O casal protagonista realiza um belo trabalho para desenrolar o enredo, tanto a atriz Nina Melo com sua expressividade e intensidade no olhar, quanto o ator Han Chang, que interpreta Cai como um homem sereno, mesmo diante das instabilidades que enfrenta em seus relacionamentos afetivos. A música também é uma aliada importante para dar impulso a várias passagens do filme, seja com a trilha incidental de Armand Amar ou uma versão de “Feeling Good”, imortalizada por Nina Simone, na língua africana em um momento chave e disruptivo na vida de Aya.
“Black Tea” pode carecer de um ritmo mais dinâmico ou de uma edição mais concisa, mas investe em retratar uma parte da China e de seus imigrantes que têm muitas histórias para contar. O choque cultural e de ideias, as formas de expressão de povos tão diferentes, e a visualidade e estética irresistíveis desta obra fazem deste um programa imperdível para ser conferido nas salas de cinema.