“Watchmen – Capítulo 1”: Animação reforça qualidade da HQ com fidelidade em adaptação equilibrada e estética deslumbrante | 2024
A grafic novel “Watchmen”, criada por Alan Moore em uma série limitada de 12 volumes para ilustrar alegoricamente os conflitos políticos estadunidenses mais importantes do século XX, é um marco literário que merece ser lido e apreciado pelo menos uma vez na vida. A excelência da trama é tão grande que a HQ se tornou icônica também fora do seu nicho, já tendo rendido um filme cinematograficamente louvável, lançado em 2009 sob a direção de Zack Snyder, uma série de TV, feita sob o selo HBO de qualidade, e outras HQs prequelas que ampliam ainda mais a riqueza do universo de críticas que Moore construiu. A carga filosófica de “Watchmen” contempla uma análise surreal sobre os melhores e piores aspectos da humanidade, e os dilemas morais que balançam a corda que distingue deuses e monstros são de uma elaboração espetacular.
Como tudo hoje em dia se recicla com uma carapaça de reinvenção, não é de se estranhar que uma história tão incrível tenha voltado aos radares da indústria caça-níquel que o cinema tem se aperfeiçoado em ser. O que é interessante, contudo, é que aqui não se vê mudanças que deturpem o material base, e nem tampouco invencionices que justifiquem uma nova abordagem polissêmica ao grupo. Tudo é sumariamente igual, o que muda é a forma como o enredo é contado. Saem os slowmotions característicos de Snyder, entram os traços belíssimos do estúdio Mir sob a direção de Brandon Vietti com um roteiro excepcionalmente elaborado de Joseph Michael Straczynski. Assistir “Watchmen: Capítulo I” é um exercício muito dinâmico principalmente quando observado o teor de revisita e resignificação.
Há um didatismo muito bem elaborado entre a narrativa principal e os “Contos do Cargueiro Negro”, que são fragmentos de uma história dentro da história, como uma alegoria para a própria alegoria que “Watchmen” já é – e que ficaram de fora do corte de cinema do filme de Snyder, mas renderam um DVD extra com uma animação cuja voz protagonista é de Gerard Butler, e também foram encaixados na versão estendida do diretor. Existe aqui uma mudança estético-narrativa entre as animações que apela à estática já conhecida das histórias em quadrinhos e a incorpora ao filme, trazendo o próprio quadrinho como um elemento cênico. Quando essa primeira parte se encerra, após a última visita de Rorschach a Edgard Jacobi, impera uma mescla curiosa de emoções dentre as quais destacam-se uma satisfação enorme por apreciar um trabalho tão bem feito e uma vontade crescente de assistir a segunda parte, cujo lançamento foi anunciado para 2025.
A densidade da narrativa faz parecer que seus oitenta minutos tenham o dobro do tempo, no melhor dos sentidos. Quem não conhece nada sobre “Watchmen” pode encontrar aqui um bom caminho de entrada para conhecer essa obra-prima e suas variedades. A fidelidade ao material original é altíssima, e espera-se que assim se mantenha em sua continuação; mas a recomendação de ler os quadrinhos de Moore não pode passar batida, então fica uma indicação pessoal: explore “Watchmen” em tudo que esse universo tão rico, crítico e filosófico tem a oferecer.