Festival de Cinema de Vitória: “Café, Pépi e Limão”, de Adler Paz e Pedro Léo | 2024
O discurso meritocrático tem crescido consideravelmente desde a “revolta dos vinte centavos” (como eu assim gosto de chamá-la), de junho de 2013. Com a ascensão dos extremos políticos, discursos de absurdismo generalizante se tornaram comuns e a separação entre “nós e eles” ganhou aspectos amplamente ofensivos. Cheguei a ouvir, em certa ocasião, que todos os moradores de rua são aquilo que conhecemos popularmente como “nóias”; pessoas viciadas em drogas pesadas, marginais indigentes que, sem o porte pleno de suas faculdades mentais, são capazes de cometer as maiores atrocidades para saciar seus impulsos narcóticos. Claro, procede que essa classe de indivíduos também exista, mas a generalização à população de rua é tão descabida quanto imoral.
Ciente das mazelas sociais e da ausência de políticas públicas eficientes que lidem com as demandas individuais da população sem lar, os cineastas Adler Paz e Pedro Léo exploram esse modo de existência visceral em “Café, Pépi e Limão” abordando a realidade pelos olhos de quem sonha uma vida mais digna e procura os melhores meios ao alcance para sobreviver – dentro, ainda, do contexto de polarização política que se instaurou entre as camisas vermelhas e amarelas no período anterior à pandemia, época em que o filme foi rodado.
A trama acompanha três jovens que, adentrando a adolescência, se veem unidos pelos infortúnios que lhes foram impostos. Uma vítima de abuso expulsa de casa pela mãe, um filho de viciada que cuida da mãe em um buraco sob um viaduto e um filho de um encarcerado que se vê em um dilema familiar; três figuras distintas que se tornam amigos ao compartilharem a situação de rua em que se encontram, e o roteiro de Pedro Léo é muito consciente em humanizar tais personagens se esquivando da facilidade dos estereótipos cabais.
Com uma narrativa ousada e uma estética que se arrisca (com sucesso) em planos e cortes extensos, o filme usa todo o potencial do excelente elenco protagonista (composto por João Vitor Souza, Mari Nascimento e Leonardo Lacerda) para explorar suas qualidades interpretativas ao máximo. A jovem trinca de intérpretes enriquece ainda mais o drama de desencantos e amadurecimentos que rege os caminhos dos personagens-título. O talento é tanto que fica difícil estabelecer, em meio a tantos planos-sequência, o que é roteiro e o que é acrescido pelo improviso. O tato da produção é ímpar ao trabalhar os percalços enfrentados por eles enquanto tudo se encaminha para a tragédia – não a clássica, do teatro grego, mas a moderna, que acontece nesse momento nas mais diversas zonas (sub)urbanas -, e o que se vê aqui é um dos finais mais aterradores e impactantes do cinema nacional desses último tempos.
“Café, Pépi e Limão” não é um filme de fácil digestão. Comparo a experiência de assisti-lo ao ingerir de carne crua recém abatida; o gosto que se sente é o gosto real da coisa, sem temperos ou processamentos, exata e simplesmente como é. Não há romantizações ou maquiagem, não; o que se tem aqui é um filme que se empenha em ser, antes de qualquer coisa, honesto com as dores e justo em suas retratações, mesmo naquelas em que a injustiça prevalece e perturba o público pelo choque do desamparo.
Este é um filme necessário, espetacular e brutalmente sensível, que mostra o alto requinte que o cinema baiano tem alcançado em seu retrato social repleto de verdades inconvenientes tão fundamentais para observarmos mais a nós mesmos no outro e separarmos menos os grupos “nós e eles”. É uma obra humana, nos melhores e piores vieses, e se debruça sobre o que há de mais belo na arte: a empatia. Entre desilusões, desamores e descobertas, “Café, Pépi e Limão” é a maior surpresa dessa temporada. E mesmo estarrecido, fiz questão de aplaudir de pé.
Frames da vida real…
Até onde pode ir o ser humano? até o “buraco” ? até o Céu? Qual o limite da crueldade do ser humano? Qual o limite da bondade do ser humano? O quê determina o que eu mereço na vida? O que você merece na vida? Será que basta eu ser honesto, ter um bom coração, ser essencialmente um inocente ? Acreditar em Deus, em Alláh, Buda, Xangô, Yemanjá ? Ou na crença que me convem ? qual o porquê do sofrimento nosso, porque você pode ter quase tudo e Eu quase nada? Porquê você pode ser feliz e se sair das misérias da vida e eu não pude? Tanto esforço que fiz e não deu em nada, vale a pena eu continuar acreditando que o bem sempre vence? Vale a pena meu melhor amigo insistir em ser honesto e sua mãe morrer na sargeta? Vale a pena minha melhor amiga falar sempre a verdade e ser “destruída por um mostro sexual”? Quando vai chegar minha vez, quando será nossa boa oportunidade? Sinceramente nós temos muitas dúvidas. Eu sou Café, essa é minha amiga Pépi e esse é meu amigo Limão, agente mora na rua.
Salve amigo Kibe e Pedro, agradeço a oportunidade de ver esse filme, sei que ainda esta guardado a “sete chaves” e que poucos tiveram esse privilegio, não sou um crítico de cinema e tão pouco tenho aqui a pretensão de faze-lo, mais faço questão de relatar meus sentimentos despertados a partir destes “Frames da vida real”, o filme de vocês é profundo e reflexivo, me fez mergulhar em questões seculares e que o ser humano ainda busca o caminho das suas respostas, isso por si só já “ paga o ingresso”, uma obra artística com tamanha sensibilidade, simplicidade e precisão.
Peço licença para falar aqui de alguns aspectos de linguagem e narrativa, onde destaco o estilo “documental “ que traz uma realidade ao filme e nos coloca no dia-dia desses personagens de maneira leve e verdadeira, tenho a clara impressão de que a qualquer momento posso encontrar com Café na sinaleira, ou posso visitar o “buraco” e a mãe de Limão ainda vai esta lá, e que a Pépi está na orla da Pituba hoje a noite. Planos bem trabalhados e pontos de vista que falam por si, Pepi entre os dois amigos adolescentes sentada com um tubo gigantesco entre as penas, uma imagem forte e cheia de significados, os “ planos de anjos” com o Drone, em especial revelando a noite de Salvador e o diálogo solitário e despretensioso sobre a borda do viaduto, as imagens que não foram mostradas mais que estão lá e desperta nossa imaginação, e não podia faltar a viagem de “primeira classe” dos amigos Café e Limão que abrem o filme no busú.
Quero dar um paragrafo especial ao trabalho com os atores, que bela atuação deste trio, sobe a “regência” do Café que deu realmente um banho de interpretação, para mim ele é o Café onde eu o encontrar por ai, limão não tem como ser outra pessoa ele é ele e a Pepi que não sabe se vai ou se fica nessa vida que Deus deu. Uma escolha boa desses promissores atores baianos.
Por fim amigos, acompanho a odisseia dessa história a algum tempo pelo papel, e ver ela ganhar vida em sons e imagens me faz crer que podemos continuar sonhando com a transformação do ser humano através da arte também. O filme tem algum problema? Claro que sim, todos temos ninguém é perfeito, há quem diga que o filme não tem final, mais será que agente aguenta ver o final que teve tantas Pepi pelo mundo, Tantos Limão e Quantos Café, gostei de ser poupado desse final pois posso
assim ficar com a esperança de que todos podemos encontrar nossas oportunidades e se desenvolver materialmente, intelectualmente e sobre tudo espiritualmente.
Se posso dar algum conselho a vocês não se precipitem ao lançar esse filme, ele merece os cinemas e sua telas grandes, desejo vida longa e que a mensagem ultrapasse as fronteiras e as barreiras e chegue aos corações humanos.
Felipe Wenceslau, Salve Salve.