“Uma Vida: A História de Nicholas Winton”: Cinebiografia emocionante enaltece a compaixão de um homem comum | 2024
Você bota muita fé em pessoas comuns
Lembro de ter visto, muitos anos atrás, uma reportagem sobre um herói improvável que durante décadas permaneceu no anonimato – e com “improvável” me refiro não só à baixa probabilidade de sucesso no feito, mas também à origem desse grande benfeitor, que sendo um bancário corretor da bolsa fez muito mais do que dúzias de parlamentares juntos e salvou a vida de centenas de pessoas porque teve a simples delicadeza de se importar. A tal reportagem mostrava um homem sendo reconhecido e aplaudido de pé por um auditório de um programa de televisão dos anos 80, mas não por quaisquer pessoas; os presentes eram aqueles a quem ele havia salvo.
De imediato me veio à cabeça o vislumbre do belíssimo filme que aquela história poderia dar, e torci durante muito tempo para que tal feito se consumasse. Hoje, para minha plena alegria, temos a incrível odisseia daquele homem, Nicholas Winton, sendo contada para uma multidão de outras pessoas com a interpretação brilhante de Anthony Hopkins e Johnny Flynn em suas versões idosa e jovem no filme “Uma Vida: A História de Nicholas Winton”, que constrói um retrato histórico da tragédia humanitária causada pelo nazismo em Praga e que apresenta o alcance da bondade em tempos de guerra.
O filme é, em sua maior parte, uma cinebiografia didática e com recursos visuais aparentemente pouco inspirados. Não espere aqui as extravagâncias mirabolantes de um Yorgos Lanthimos da vida, cuja estética é o fio condutor que determina o tom da trama. Ocorre que aqui não há protagonismo para firulas ou invencionices narrativas, a história fala por si só e o diretor não rouba dela a sua voz. O foco aqui não é como o filme é feito, mas sim na jornada que ele apresenta. Para um homem simples, um filme simples.
A história do grande reconhecimento de Winton, embora relativamente famosa nos últimos tempos após viralizar em algumas plataformas de vídeo, ganha aqui contornos e significados mais íntimos sobre o que veio antes e o que aconteceu depois daquele momento histórico do programa That ‘s Life. O que o filme proporciona é um mergulho na mobilização causada por Winton e os perrengues que viabilizaram o salvamento de 669 crianças judias de uma iminente ocupação de Hitler à Tchecoslováquia – e o grande trunfo do filme, que o impede de cair em um lugar comum de filmes que tratam os traumas da segunda grande guerra, está na abordagem crua das histórias não contadas de despedidas e separações definitivas.
Mais uma grande performance de Hopkins, mais uma exploração das dores internas e das sensações conflitantes sobre o deslocamento e a inadequação do ambiente ao redor, mais um lembrete da arte para o mundo que a ignora sobre as consequências das guerras que se travam em prol da ganância. “Quem salva uma vida salva o mundo”, foi dito. Tal frase, sozinha, já torna essa obra o título mais relevante em cartaz só por proporcionar uma observação mais atenciosa sobre os conflitos geopolíticos atuais. Que Winton e suas crianças não caiam no esquecimento, e que histórias assim não voltem a se repetir. Afinal, Winton foi um herói porque precisou, não porque queria ser.