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“Uma Bela Vida”: Costa‑Gavras aborda a morte com a serenidade de quem ainda crê no humano | 2025

A morte, no Ocidente, costuma ser um tabu envolto em eufemismos. Isolada em corredores hospitalares, evitada nas conversas e representada quase sempre por meio do lamento. O novo filme de Costa-Gavras abre as janelas dessa clausura simbólica. Em “Uma Bela Vida”, o fim é tratado com calma e sobriedade. Aos 92 anos, o diretor retorna a um tema inescapável com a mesma disposição crítica que marcou sua obra, mas agora volta o olhar para os limites do corpo.

Inspirado no livro de Régis Debray e Claude Grange, o filme entrelaça vivência médica e pensamento filosófico por meio do encontro entre o doutor Augustin (Kad Merad) e o escritor Fabrice (Denis Podalydès). O que poderia se restringir a um debate de ideias se expande em histórias e lembranças. Cada paciente carrega um universo à beira do desaparecimento, e a câmera acompanha esse processo com respeito. Costa-Gavras recusa a dramatização excessiva e evita transformar o sofrimento em espetáculo.

Kad Merad entrega uma atuação contida e tocante como o médico que encara a morte todos os dias sem perder a empatia. Em um breve diálogo, compartilha com o amigo escritor uma experiência vivida na África, nunca mostrada em tela, apenas sugerida. Lá, ao lado de colegas locais, testemunhou uma outra forma de lidar com a morte, menos “medicalizada”, mais integrada à comunidade, quase ritualística. Essa memória representa uma inflexão importante. Antes voltado à cura, Augustin retorna mais sensível à dor alheia, mais receptivo ao silêncio e à simples presença. Passa a liderar uma ala de cuidados paliativos e reconhece que o fim da vida também requer atenção e ternura.

“Uma Bela Vida” oferece alívio, mas não à base de promessas vazias ou esperanças fabricadas. O consolo nasce da escuta atenta, do reconhecimento de que o fim também pode ser acompanhado com dignidade. O filme contorna armadilhas emocionais. Não há idealizações nem distanciamento cínico.

“Uma Bela Vida” se despede como quem fecha uma porta sem ruído, deixando do lado de fora o medo e o excesso. Costa-Gavras filma com firmeza e atenção. Seu cinema permanece claro, sensível, disposto a ouvir. E nessa escuta, não se aprende uma lição. Revela-se apenas uma presença. Um modo de estar, mesmo quando tudo parece cessar.

Rafa Ferraz

Engenheiro de profissão e cinéfilo de nascimento. Apaixonado por literatura e filosofia, criei o perfil ‘Isso Não é Uma Critica’ para compartilhar esse sentimento maravilhoso que é pensar o cinema e tudo que ele proporciona.

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